Não existem dúvidas relativamente a isto: nos meses mais frios, as constipações e gripes são mais comuns do que no tempo quente. Mas o frio provoca diretamente este tipo de infeções? A resposta é não, dizem os especialistas. É, ainda assim, um facilitador destas doenças, afirma Filipe Froes, pneumologista e coordenador do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos. “O frio é um facilitador na medida em que aumenta a sobrevivência dos vírus respiratórios”, explica, acrescentando que está, igualmente, associado a uma diminuição da radiação ultravioleta dos raios solares, o que também aumenta a sobrevida dos vírus.
Além disso, explica Froes, o facto de as pessoas abrirem menos as janelas para renovar do ar por causa do frio cria condições para que, nesta altura do ano, haja mais vírus em circulação, durante mais tempo, e que, por isso, se transmitem com maior facilidade às pessoas.
“Nesta altura do ano, existem no meio ambiente maiores concentrações de micróbios causadores de infeções respiratórias sazonais, como o vírus da gripe, por exemplo. Além disso, as pessoas tendem a passar mais tempo aglomeradas em espaços fechados e aquecidos, condições que facilitam a sua transmissão “, confirma Margarida Dias, Coordenadora de Medicina Geral e Familiar na Clínica CUF Alvalade e médica assistente no Hospital CUF Descobertas, que acrescenta, ainda, que a descida da temperatura atmosférica no outono e inverno cria, desde logo, uma suscetibilidade natural a estas infeções, devido a uma “menor capacidade de limpeza interna do sistema aéreo”. “A descida da temperatura é, por si só, um fator irritante das vias aéreas, o que pode provocar manifestações de alergia, tais como rinite e falta de ar”, acrescenta.
O corpo humano também fica com alguns mecanismos de defesa diminuídos durante o tempo frio. Por exemplo, as membranas mucosas secam mais e deixam passar com mais facilidade partículas prejudiciais.
“Um dos mecanismos de defesa local do aparelho respiratório são os batimentos de varredura ciliar das células de revestimento da mucosa respiratória, sendo que o frio paralisa e interfere com esse movimento”, explica Filipe Froes. Isso cria condições para que haja maior acumulação de partículas virais com capacidade de entrar nas células.
Estes vírus podem, também, agravar algumas doenças crónicas das pessoas – como bronquite crónica, insuficiência cardíaca e diabetes -, diminuindo ainda mais as defesas desses doentes e favorecendo as infeções virais.
E em relação ao coronavírus?
Um estudo realizado pela King’s College de Londres, em junho de 2020, e que analisou dados de mais de 7 mil doentes internados com covid-19 na Croácia, Espanha, Itália, Finlândia, Polónia, Alemanha, Reino Unido e China, concluiu que a gravidade da doença diminui com a transição do inverno para o verão, na maioria dos países europeus, com menos internamentos e necessidade de ventilação. No mês seguinte, o diretor do Centro de Segurança Sanitária do hospital norte-americano Johns Hopkins, Tom Inglesby, disse à revista The Atlantic que o aumento do frio ia fazer com que as pessoas se recolhessem no interior, “o que aumenta o risco de transmissão e o risco de super-surtos”.
Ou seja, este vírus funciona como os vírus respiratórios mais comuns nesta altura do ano. “Durante o inverno, há maior sobrevivência deste vírus, maior carga viral e maior capacidade de contágio por maior proximidade das pessoas em locais com menor arejamento”, insiste Filipe Froes. O que acontece é que os outros tipos de vírus, que circulam ao mesmo tempo que o coronavírus, podem facilitar a infeção por SARS-CoV-2 devido à diminuição das defesas dos doentes. “Os outros vírus, ao provocarem infeção, diminuem as defesas locais dos infetados, o que facilita a infeção pelo coronavírus. Ou seja, potenciam, por destruição dos mecanismos de defesa local dos hospedeiros, a infeção pelo SARS-CoV-2”, explica o pneumologista.
Com a idade e com as comorbilidades, há uma diminuição da reserva fisiológica, potenciada pelo frio, favorecendo a infeção viral, tanto dos vírus respiratórios mais comuns como do coronavírus, acrescenta Froes.
Por seu lado, Margarida Dias alerta para o facto de a infeção pelo coronavírus ser, ainda, muito recente e, por faltarem evidências científicas sobre ela, acredita ser muito precoce tirar conclusões relativamente à influência do frio na sua transmissão. “Para já, o clima não parece ter relação comprovada com a probabilidade de transmissão do vírus”, defende.
Os conselhos de quem sabe
Margarida Dias identifica alguns cuidados que todos podem ter de forma a prevenirem a transmissão destes vírus típicos do tempo frio:
Evitar passear em locais fechados e superpovoados como é o caso dos centros comerciais;
Arejar as habitações e os locais de trabalho o mais possível, além de evitar a climatização em modo contínuo;
Lavar ou desinfetar as mãos sobretudo após utilização dos transportes ou locais públicos;
Tomar a vacina da gripe anualmente;
Seguir uma alimentação saudável e nutritiva, além de fazer exercício físico diariamente;
Não fumar nem consumir bebidas alcoólicas;
Ter bons hábitos de sono;
Consumir entre seis e oito copos de água distribuídos ao longo do dia;
Praticar um afastamento social em caso de sintomas sugestivos de infeção respiratória.
Além disto, Filipe Froes defende, ainda, a adoção de “medidas de intervenção mais específicas”, ou seja, a vacinação anual contra a gripe e a vacinação contra as infeções pelo pneumococos, duas vacinas disponíveis em Portugal nesta altura. “Idealmente, todos devíamos ser vacinados contra a gripe mas, por questões de equidade, temos de vacinar mais quem precisa mais, daí a necessidade de priorizar a vacinação aos grupos de risco, porque são os que têm maior probabilidade de contraírem a doença e ter formas mais graves da mesma”, explica o pneumonologista.
Todas estas medidas, explica ainda o médico, são “extremamente eficazes” na prevenção das infeções respiratórias durante o inverno, embora tenham “um impacto um pouco menor em relação ao SARS-COV-2, pelo facto de estarmos todos suscetíveis” e, desse modo, haver “maiores cadeias de transmissão, o que não acontece com os outros vírus respiratórios”.