Os soluços estão presentes na vida de todos nós. Com maior ou menor frequência e duração, surgem muitas vezes em alturas inapropriadas, gerando constrangimento e embaraço. Bill Watterson ilustra o fenómeno, numa tira em que Calvin tenta de tudo para se livrar dos soluços e o sarcástico Hobbes se diverte com a situação. A necessidade e o engenho da Humanidade aguçaram vários remédios caseiros para o tormento dos soluços.
O que são os soluços?
Os soluços correspondem a contrações involuntárias e repetidas do diafragma e dos músculos intercostais, levando a uma inalação de ar pela boca que é interrompida em 30-40 milissegundos por um encerramento da glote, a parte mais estreita da laringe. É este encerramento súbito que origina o típico som “hic”. Os soluços têm uma frequência que varia entre quatro e 60 por minuto, o que habitualmente é constante em cada pessoa. Nos adultos, não parecem servir qualquer propósito fisiológico, mas a observação de soluços em fetos sugere que, durante a vida intrauterina, sejam importantes no treino dos músculos inspiratórios.
O mecanismo não é completamente conhecido, mas sabe-se que corresponde a um arco reflexo que se encontra sob o controlo do sistema nervoso central (SNC). O reflexo é constituído por dois ramos: um de entrada (aferente), que leva informação através dos nervos frénico e vago até ao SNC, e um de saída (eferente), que veicula a resposta central, via nervo frénico, até ao diafragma. A estimulação de um dos ramos ou do centro de controlo pode levar ao aparecimento de soluços.
Dependendo da duração do episódio, os soluços podem ser classificados como: agudos, com duração de minutos a horas; persistentes, com duração superior a 48 horas; intratáveis, com duração superior a um mês. Os soluços agudos são os mais frequentes e surgem habitualmente na sequência de distensão gástrica provocada pela ingestão de bebidas gaseificadas, grande quantidade de ar (gargalhadas) e uma refeição copiosa. O álcool, comidas picantes, mudanças súbitas da temperatura dos alimentos, ansiedade e stresse são também fatores desencadeadores. Os soluços persistentes ou intratáveis correspondem à minoria dos casos e surgem por norma na ausência de um fator precipitante. Nestes casos, deve-se consultar um médico, uma vez que podem traduzir uma doença. São várias as causas para os soluços persistentes, como o refluxo gastroesofágico, enfarte do miocárdio, acidentes vasculares cerebrais, entre outras.
Quais os tratamentos disponíveis para os soluços?
A abordagem dos soluços depende da duração do episódio e da causa. Os soluços agudos são autolimitados e não constituem qualquer perigo. No entanto, o incómodo que causam leva a que se procurem estratégias para interromper a crise. As estratégias serão realmente eficazes ou a crise terminará por coincidência? Não o sabemos. Encher o peito de ar e suster a respiração, beber um copo de água sem respirar, baixar a cabeça ao nível da anca, inalar vinagre, respirar para dentro de um saco ou ser assustado são algumas das abordagens existentes, isoladamente ou nas diversas combinações. Alguns dos remédios caseiros são tão peculiares que parecem ter sido inventados para se troçar da vítima. Perante o desespero de Calvin, Hobbes propõe-lhe um remédio excelente: beber pela extremidade mais distante de um copo, numa técnica complexa que terminou com o Calvin molhado e a soluçar.
Os sustos são mesmo eficazes na resolução de crises de soluços? Qual o mecanismo subjacente?
Os sustos, como outros truques, funcionam numas ocasiões e noutras não. O princípio que une todas estas abordagens é a tentativa de interromper ou de suprimir o arco reflexo que perpetua as contrações repetitivas do diafragma. Isto pode ser conseguido modulando-se o ramo aferente, a central neurológica de controlo ou o ramo eferente. Os sustos induzem uma resposta do nervo vago, envolvido no ramo aferente, podendo interromper o seu papel no reflexo e, desta forma, terminar o episódio. Ao apanhar um susto, o organismo entra em modo de combate. O nervo vago é recrutado para uma tarefa mais importante do que o soluço: lutar contra o perigo.
Tal como com o Calvin, já a todos aconteceu os soluços desaparecerem, quase por magia, quando nos esquecemos deles… até que um susto de um tigre, ou o facto de nos lembrarmos de que tivemos soluços, faz com que eles voltem, novamente!…