As suspeitas avolumaram-se ao longo de todo o ano, desde que foi declarada a pandemia. Em abril, a análise a uma série de dados clínicos de pacientes internados com Covid-19 encontrava uma associação clara entre a doença e diversos sintomas neurológicos e psiquiátricos. “Estes doentes mostravam-se extremamente agitados, manifestando mesmo tonturas e delírios”, dizia, então, à BBC, Julie Helms, a principal autora do estudo publicado no The New England Journal of Medicine, pouco antes de revelar o que mais a surpreendeu: “Eram bem mais novos do que os que normalmente apresentam aquele tipo de sintomas. Muitos estavam nos seus 30, 40 anos, e não só. Ocorreu até em jovens de 18 anos.”
A confirmação desta suspeita pela Organização Mundial da Saúde viria logo a seguir – até que, no fim do verão, um outro estudo, ainda a aguardar a revisão dos pares, dava mais umas pistas sobre o assunto. Segundo sugeria essa investigação, o SARS CoV-2 era capaz de infetar o tecido cerebral tendo como principal alvo os astrócitos – as maiores e mais abundantes células do sistema nervoso, responsáveis pela nutrição, proteção e funcionamento em equilíbrio daquele órgão.
Agora, uma investigação divulgada na Nature, revela como é que isso acontece, depois de terem sido encontrado vestígios do coronavírus desde a mucosa olfativa até à região cerebral. Situada na extremidade das narinas, é naquela membrana que se alojam as células nervosas que permitem ao cérebro traduzir os odores – o que explica que um dos sintomas mais comuns da Covid-19 seja a anosmia, ou perda de olfato. Segundo conta Frank Heppner, o responsável do departamento de neuropatologia do Charité, o hospital universitário de Berlim, na Alemanha, onde decorreu a investigação, o que este coronavírus faz é “servir-se de ligações neuroanatómicas, como é o caso dos nervos olfativos”, explica, citado pelo El País. E depois, acrescenta Helena Radbruch, coautora do estudo, “vai saltando de célula nervosa em célula nervosa até alcançar o cérebro”.
Mas as suas descobertas podem não ficar por aqui: o facto de terem também encontrado vestígios da sua presença no tronco cerebral, onde entre outras coisas reside o controlo da respiração e do ritmo cardíaco, sugere porque esta infeção conduz depois a problemas respiratórios e cardíacos graves. “Nos doentes que desenvolvem pneumonias e não recebem oxigénio suficiente, a presença do SARS CoV-2 na zona do cérebro que controla a respiração parece agravar ainda mais a sua condição”, receia ainda o responsável da neuropatologia do Charité – avançando com uma hipótese ainda não comprovada, mas só por si muito perturbadora: “porque pode, por exemplo, simplesmente reduzir ao mínimo, ou até anular, o impulso automático e normal que nos faz respirar”.