“Isto vai ficar connosco durante algum tempo. É endémico nas populações humanas e não vai desaparecer sem uma vacina”, avisou Amesh Adalja, especialista em doenças infecciosas do Centro Johns Hopkins para a Segurança da Saúde, logo no início da primavera, mal a Organização Mundial da Saúde decretou que o mundo enfrentava uma pandemia.
Era uma linha de investigação ainda longe das preocupações públicas, no momento em que se sabia muito pouco sobre este coronavírus e a forma como se comportava. Mas não demoraria a que outros investigadores se pronunciassem no mesmo sentido. Um deles foi Anthony Fauci, o imunologista americano considerado o maior especialista em doenças infecciosas dos EUA, que enfatizava já a probabilidade de o agente em causa ser sazonal e poder ressurgir com maior força no final de 2020, com o regresso do tempo mais frio. “Mesmo que o número global de casos diminua, a dificuldade em conter o vírus significa que é improvável que seja completamente erradicado do planeta e no próximo inverno poderemos assistir a um novo aumento de casos”, afirmou então na CBS, no programa “Face The Nation”
Pouco depois, um outro estudo, realizado pela Escola de Saúde Pública da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e publicado no Journal of Infectious Diseases, corroborava que os vários coronavírus conhecidos, e que causavam doença respiratória em humanos, apresentam um padrão sazonal – o que significa que não desaparecem e apresentam picos de casos em estações específicas, no caso o inverno.
“Também estou convencido que sim”, assume Henrique Lopes, especialista de Saúde Pública, docente da Universidade Católica Portuguesa e membro do conselho superior da ASPHER (Associação de Escolas de Saúde Pública da Região Europeia) para a Covid-19. “Essa a principal conclusão de um estudo comparativo de casos conhecidos em matadouros. Segundo os dados que obtivemos, o ambiente mais frio e húmido de algumas zonas dos matadouros, que servia para comparar com o clima de inverno, é claramente indicativo de estarmos perante um agente infeccioso que vive permanentemente na comunidade e se expressa em maior grau em determinadas circunstâncias que lhe são mais favoráveis”, explica, a propósito do trabalho então publicado no British Medical Journal, sublinhando que foram avaliados casos de matadouros de Portugal, do Reino Unido e da Alemanha, que viveram acontecimentos semelhantes. Mas num outro projeto de modelação da atuação do vírus, em que este especialista também está envolvido, os dados vindos da América do Sul não confirmam a tese – e “há ainda o caso do Irão, a viver um grande planalto de casos de coronavírus sem oscilações desde o início do contágio”, acrescenta – embora isso, remata, possa ser só mais um sinal da enorme complexidade deste vírus.
Endémico e só quebrado pela vacina?
A convicção de que este SARS CoV-2 se tornaria endémico, manifestando alguma forma de sazonalidade, ou seja, com maior ação numa determinada época do ano, voltaria a ser falada pouco depois do verão. Foi quando Julian Tang, virologista e professor do Departamento de Ciências Respiratórias da Universidade de Leicester, anunciou que, segundo os seus cálculos, até 2022 será visível alguma forma de sazonalidade da Covid-19, com pequenos surtos durante os meses de inverno – tal como acontece com a gripe. “Se olharmos para as anteriores pandemias de vírus respiratórios, todas se tornaram sazonais. E isso depois impulsionado pela nova coorte de nascimentos todos os anos. Os adultos apanham o vírus e depois recuperam ou morrem, e durante esse tempo nascem novos bebés, que irão depois alimentar o ciclo”, disse, citado pelo Huffington Post.
Também Patrick Vallance, o principal conselheiro científico do governo britânico, afirmou há dias ser “muito provável que a Covid-19 se torne endémica e tenha, tal como a gripe, surtos recorrentes no tempo mais frio“. E, segundo ele, muitos dos outros peritos do Grupo Científico Consultivo para Emergências (Sage) também pensam assim. “Claramente que à medida que a gestão médica dos casos se torna melhor, e à medida que se vacinar, essa parece ser a direção que tomamos”.
Na última quinta-feira, 12, foi a vez de Anthony Fauci voltar ao assunto num webinar promovido pela Chatam House, uma organização britânica sem fins lucrativos cuja missão é analisar o conhecimento e promover uma melhor compreensão dos principais temas internacionais. Ali assumiu novamente que o mais certo é esta doença tornar-se endémica, podendo revelar-se mais ativa em determinadas épocas do ano, e amenizada apenas pela vacina. “Duvido muito que possa ser erradicada.”