Uma simples ida à casa de banho por parte de uma pessoa infetada pelo SARS-CoV-2 poderá ser o início de uma nova cadeia de transmissão do vírus. Mesmo puxando o autoclismo depois de defecar e lavando as mãos de seguida, o novo coronavírus pode ficar presente nas canalizações domésticas.
Já em 2003, aquando da síndrome respiratória aguda grave (SARS), o vírus espalhou-se nos canos de um prédio em Hong Kong. Há 17 anos, no complexo residencial Amoy Gardens, 321 residentes ficaram doentes com SARS, devido a canos de esgoto com defeito. Quarenta e dois morreram, tornando-se o surto comunitário mais devastador de SARS. O paciente zero terá tido diarreia aguda e o vírus da SARS em aerossol atingiu os apartamentos através de uma conduta de ar.
Agora, num prédio em Guangzhou, nove pessoas adoeceram por causa da SARS-CoV-2 (nenhuma morreu). Mas existem semelhanças com a propagação do surto de SARS, segundo Yuguo Li, engenheiro mecânico da Universidade de Hong Kong que estudou os dois casos e descreve as suas novas descobertas no Annals of Internal Medicine. As conclusões foram também reportadas na Science e no Washington Post.
Todos os cinco membros da família que moram num apartamento do 15º andar testaram positivo para SARS-CoV-2 no final de janeiro, depois de a maioria ter vindo de Wuhan, onde a pandemia começou. Poucos dias depois, dois casais de meia-idade que moravam nos andares 25 e 27 ficaram doentes. Eles não tinham viajado ou mantido qualquer contacto próximo com uma pessoa doente durante o confinamento na China.
A equipa de Yuguo Li compilou uma série de evidências sugerindo que os dois casais foram expostos a aerossóis fecais dos seus vizinhos mais de dez andares abaixo através dos canos de lixo partilhados. Um gás de rastreio foi direcionado para o cano de esgoto do apartamento do 15º andar e saiu nas casas de banho dos apartamentos do 25º e 27º andar. A evidência de propagação por via dos canos permanece “circunstancial”, escrevem os investigadores. Ainda assim, a equipa de Li conta “uma história convincente”, diz Jordan Peccia, engenheiro ambiental da Universidade de Yale.
Além de se difundir, principalmente, através de gotículas respiratórias e aerossóis, o novo coronavírus também pode infetar através das fezes. “Não é algo que as pessoas gostem de falar”, refere Joseph Allen, especialista em construções da escola de saúde pública Harvard T.H. Chan.
À febre, à tosse e ao cansaço físico, junta-se em alguns casos a diarreia como um dos sintomas de infeção pelo SARS-CoV-2. A descarga de água na sanita pode expelir partículas virais muito acima do assento, deixando a pessoa exposta ao vírus ao respirar matéria fecal aerossolizada ou ingerir o vírus após tocar numa superfície contaminada. Os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA dizem “não ser claro” se o vírus nas fezes pode causar Covid-19 e conclui que o risco de espalhar o vírus dessa forma é “baixo”. Mas Joseph Allen e outros investigadores dizem que o risco não deve ser ignorado. Muitos coronavírus animais podem ser transmitidos através das fezes, “portanto, não é exagero acreditar que isso seja possível com o SARS-CoV-2”, explica Susan Amirian, epidemiologista da Universidade Rice, no Texas.
Mas sobreviverá o vírus desde o nosso intestino até ao esgoto ou uma estação de tratamento de águas? Para Jordan Peccia, atualmente a testar águas residuais para o SARS-CoV-2 em Connecticut, qualquer vírus potencialmente intacto, provavelmente, estará muito diluído para ser infeccioso.