Na reunião desta quarta feira, 24, entre as autoridades de saúde e os responsáveis políticos do país, Rita Sá Machado, da Direção Geral de Saúde, revelou que, dos 65 surtos de Covid-19 existentes em todo o país, 53 concentram-se na zona de Lisboa e Vale do Tejo e que, nestes últimos, 15% a 20% dos casos não têm ainda as cadeias de transmissão identificadas.
Os especialistas são unânimes ao afirmar o modo como esta percentagem reflete uma situação que está longe de ser controlada. “A questão das cadeias de transmissão dá-nos uma ideia do controlo ou descontrolo da transmissão de uma epidemia”, afirma o especialista em Saúde Pública, André Peralta Santos, explicando, “quando o número de pessoas infetadas, que não conseguimos enquadrar numa cadeia de transmissão, chega a valores de 15% ou 20%, percebemos que o surto ainda não está controlado e demorará algum tempo a estar. Estamos perante uma transmissão comunitária que não está a ser detetada.” Também Ricardo Mexia, presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública considera o valor elevado e alerta, “os números absolutos são muito importantes. Quando falamos de 60 ou 70 casos por dia, que não sabemos como é que se infetaram, são muitos”.
A questão prende-se, portanto, em perceber que medidas devem ser adotadas, e por quem, a fim de enquadrar o maior número possível de pacientes em redes de contágio. Para tal, segundo os especialistas, a ação colaborativa entre o Governo, a população e os operadores económicos parece ser essencial. Tanto André Peralta Santos como Ricardo Mexia apontam o dedo a uma falta de oferta de formação e contratação de profissionais de saúde, apesar de alertarem para a necessidade de a população continuar a cumprir as medidas de segurança e distanciamento social
“O que salta à vista, na questão de Lisboa, é uma incapacidade em suprimir a transmissão, algo que contrasta com o que se passa noutros países europeus, capazes de reduzir o contágio para valores mais baixos”, comenta André Peralta Santos. O especialista acrescenta, “nestes países assistimos, logo em abril e março, a contratações de dezenas de profissionais. A Alemanha, o Governo da Catalunha ou a Escócia investiram em muitos contact tracers”. Ricardo Mexia reforça o quão importante teria sido já ter dado formação a profissionais que se ocupassem do rastreio de contactos. “O Governo tem de dotar o país de capacidade de resposta e esta já devia estar implementada. Neste momento, estamos a correr atrás do prejuízo”, comenta o médico.
Se a formação é importante, a informação da população parece desempenhar um papel fundamental. Para Fernando Maltez, diretor do serviço de doenças infecciosas do Hospital Curry Cabral , em Lisboa, “as pessoas têm de perceber que a situação não está controlada e continua a ser essencial respeitar as medidas de segurança”. O médico, que considera a percentagem de casos sem cadeias de transmissão identificadas alta, apelida as medidas tomadas pelo Governo esta semana de essenciais. “É um aperto que se impunha”, além de defender a importância da existência de uma educação para a saúde.
A importância que Fernando Maltez dá à necessidade de uma consciência e responsabilidade públicas encontra ecos nas opiniões de André Peralta Santos e Ricardo Mexia. “Não nos podemos esquecer que continuamos a viver num cenário de pandemia, num país onde grande parte da população ainda é suscetível ao vírus”, afirma André. Ainda assim, o especialista considera inevitável a existência de surtos, por melhor que se cumpram as medidas de distanciamento social. “Continuarão a existir até termos uma vacina eficaz e segura. A capacidade de resposta tem de ser o mais rápida possível. Tudo isto depende de prioridades políticas. Aquilo que estamos a ver é que a gestão da epidemia andará sempre de mãos dadas com a performance económica do pais. E num pais onde 15% do PIB está relacionado com o turismo, temos de projetar uma imagem de segurança para o exterior. É uma prioridade”.