Sente algum tipo de mal-estar generalizado, daqueles que tem a certeza não estar relacionado com a Covid-19? Saiba que não está sozinho. Ao que parece viver em tempos de pandemia afeta mais o nosso corpo do que poderíamos imaginar.
A palavra, então, a Toni Goodykoontz, diretora do departamento de psiquiatria da West Virginia University, nos EUA, que garante ter visto já quase um pouco de tudo, desde o início do surto de Covid-19.
“É um fenómeno muito comum entre adultos e as queixas variam entre as dores de cabeça, uma fadiga inexplicável ou apenas uma sensação geral de mal- estar”, salienta Goodykoontz, citada pelo The New York Times. “Alguns podem até começar a imaginar que estão infetados pelo vírus, porque a maioria não reconhece o que se trata. Basicamente é o nosso organismo a dar sinais do quão sobrecarregado e stressado está com tudo o que está a acontecer.”
Krisda Chaiyachati, diretora médica da Penn Medicine OnDemand Virtual Care, EUA, também verificou sinais muito semelhantes entre os seus pacientes. Dores no peito, sensação de formigueiro, problemas de estômago… Mesmo não conhecendo ao detalhe todas as formas de a Covid-19 nos afetar, a maioria destes sintomas é sobretudo efeito de fatores sociais e psicológicos sobre os processos orgânicos do nosso corpo – daí afetar o bem-estar.
Afinal, sublinha Chaiyachati, “muitos de nós ainda estão a tentar desvendar que vírus é este e se há luz ao fundo do túnel”. E, como acrescenta Goodykoontz, mesmo que seja tudo psicossomático, isso não significa que a dor não exista.
Cá dentro inquietação, inquietação
Claro que se sentir que corre risco – está a passar por uma emergência, com sintomas novos e graves, algo que nunca, mas nunca sentiu – deve procurar ajuda médica. Mas, se nada disso se aplicar, compreender como o stress e as mudanças repentinas de vida afetam o nosso corpo pode ser uma grande ajuda.
E embora a nossa preocupação seja sempre maior perante eventos traumáticos – e os seus efeitos físicos no nosso corpo – verdade é que a sensação de inquietação sempre presente, como se o céu se abatesse sobre a nossa cabeça, tem efeitos muito semelhantes.
“Mesmo que seja tudo psicossomático, isso não significa que a dor não exista.” Palavra de psiquiatra
“Quando começamos a ficar ansiosos ou stressados, libertamos determinadas hormonas e outras substâncias químicas no nosso organismo”, explica Katherine Pannel, psiquiatra e diretora médica do Right Track Medical Group, também nos EUA. Por exemplo, quando se sente stressado, o nosso corpo produz e liberta epinefrina – também conhecida como adrenalina. Trata-se de um neurotransmissor que é responsável por preparar o organismo para a realização de grandes feitos. No caso, acaba por provocar o desvio do sangue para os nossos órgãos vitais de que precisamos para sobreviver, como o cérebro e o coração.
Resultado? O sangue acaba por fugir das nossas extremidades. E embora os formigueiros na ponta dos pés possam ser sinais de derrame cerebral – como aconteceu com alguns pacientes de Covid-19 – pode simplesmente sinalizar de que o sangue volto a fluir normalmente depois de um episódio de stress.
Coração, cabeça e estômago
Há ainda relatos de outros efeitos físicos causados por fatores psicológicos – por exemplo, o desvio do fluxo sanguíneo pode ser responsável por episódios de disfunção eréctil. Como assim? Então, a mente tem de enviar uma mensagem ao pénis para obter uma ereção. Mas quando estamos ansiosos e stressados, os sentimentos de prazer e desejo acabam por ser desligados.
Foi o que verificou um estudo conduzido por investigadores dos EUA, Singapura e Suiça, que durante seis semanas avaliaram os efeitos em 37 homens que estavam em treinos para ingressar nas Forças Armadas. A preparação intensiva estava a gerar altos níveis de stress, ansiedade e depressão – e os sintomas reflexos disso não demoraram. Aliás, muitos deles revelaram ainda problemas gastrointestinais.
Mark S. Riddle, médico de saúde pública e responsável pela pesquisa clínica na Universidade do Nevada, também nos EUA, garante agora que há um paralelo entre aquelas descobertas e o que se está a observar agora, um pouco por todo o mundo: stress persistente como reflexo do confinamento. Riddle assegura ainda que a mudança na alimentação e a falta de exercício possa estar a refletir-se também em problemas gastrointestinais. “Quaisquer mudanças no que comemos podem conduzir a complicações na forma de as digerir – de náuseas a diarreia. E quem estiver a fazer menos exercício, pode ainda sentir que os intestinos não estão a funcionar como normalmente, provocando, por exemplo, obstipação.
Sob a pele
Há ainda outro efeito já conhecido e que se revela na pele. Sobretudo nas pessoas que já tinham eczemas ou mesmo psoríase – tal como acne crónico. “Muitos também estão a atravessar crises por causa da Covid-19″, avança Ronda S. Farah, professora assistente de dermatologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Minnesota, citada pelo mesmo NYT. “Ou, mais precisamente, pelas alterações hormonais causadas pelo stress.”
Mas mesmo quem normalmente não sofre de nenhuma daquelas condições também estão a desenvolver erupções cutâneas. Sobretudo uma forma de eczema chamado dermatite, que não é propriamente causada pela genética, mas por fatores externos.
“A pele sob os anéis é especialmente propensa a isso”, assegura Farah, a lembrar que, de tanto lavar e desinfetar, isso tanto pode causar apenas comichão como deixar a pele propensa a outras infeções. Não foi, ainda assim, o único efeito na pela observado por aquela dermatologista – que tem vindo a ser consultada por causa de casos de perda de cabelo, comumente associada a momentos traumáticos e stressantes. “A boa saúde capilar também é reflexo do nosso bem-estar”, sublinha a especialista.
E agora, pergunta o leitor: O que há a fazer, se reconhecer alguns destes sinais? É consultar um médico, claro. E procurar formas de recuperar algum do seu bem-estar, seja terapia, ar livre ou meditação. Sem stress, medo ou julgamentos de qualquer espécie.