Logo a seguir à licenciatura em Química, Marta Germano, 50 anos, partiu para a Holanda para fazer o doutoramento. Sempre teve vontade de viver fora de Portugal e acabou por escolher os Países Baixos por razões do coração. Especializou-se no estudo da relação entre a estrutura e a função das proteínas, uma parte essencial para o desenvolvimento de novos medicamentos ou vacinas. “Olhamos com o máximo pormenor possível para a molécula, de forma a podermos estabelecer uma relação entre a estrutura da molécula e a sua atividade”, explica. Terminado o pós-doutoramento teve vontade de mudar da academia para a indústria e após uma experiência em empresas mais pequenas, acabou por ir parar à Johnson&Johnson, onde está há quase oito anos. Neste momento, está a trabalhar no desenvolvimento da vacina para a Covid-19, o que lhe dá uma sensação de poder estar a fazer a diferença. “O mais difícil foi montar a operação numa altura em que estamos todos a trabalhar a partir de casa”, admite. Valeu a capacidade de organização muito “holandesa.”
Vive numa aldeia perto de Leiden e em sua casa fala português todos os dias, com os dois filhos de 15 e 10 anos.
Qual o ponto mais crítico no desenvolvimento de uma vacina?
Há dois aspetos importantes no desenvolvimento de qualquer produto farmacêutico: por um lado, demonstrar em ensaios clínicos que o produto é seguro e eficaz; por outro lado, desenvolver processos de fabrico e demonstrar que estes são capazes de produzir repetidamente um produto que cumpre os critérios de qualidade pré-definidos. No caso de uma vacina, a segurança é extremamente importante, pois as vacinas são administradas a pessoas saudáveis, que não devem ficar doentes por causa dessa administração. A eficácia de uma vacina é demonstrada se conseguirmos provar que uma pessoa vacinada, depois de exposta ao agente infeccioso, não contrai a doença contra a qual a vacina a deve proteger. Em geral, demonstrar a segurança e eficácia em ensaios clínicos é crítico e necessário para que a vacina seja aprovada pelas autoridades do medicamento. A demonstração de eficácia, sobretudo, demora mais tempo porque envolve grandes coortes, ou seja, grandes grupos de pessoas no ensaio clínico, e os ensaios clínicos têm que dar tempo para que as pessoas vacinadas sejam expostas com uma grande probabilidade ao agente infeccioso.
E no caso particular da vacina para o coronavírus?
No caso do novo coronavírus, acho que o design destes ensaios clínicos vai ser crítico. Outro aspeto crítico é ter capacidade de produção suficiente. Felizmente a Johnson & Johnson tem essa capacidade e está a reforçá-la. Estamos comprometidos em produzir mil milhões de doses da vacina em 2021.
É expectável que a vacina contra a Covid-19 seja ministrada a toda a população ou só a grupos de risco?
Com a nossa capacidade de produção atual poderíamos produzir 600 milhões de vacinas até ao final deste ano, contudo, estamos já a investir na abertura de novas unidade de produção para aumentar este número. Continuaremos a trabalhar junto das autoridades de saúde internacionais e locais, governos, entidades reguladoras e ONGs para garantir que, caso o seu desenvolvimento seja bem-sucedido e o produto seja aprovado, todos os que precisam da vacina possam ter acesso a ela atempadamente.
Que eficácia ou taxa de sucesso se procura quando se está a desenvolver uma vacina deste tipo?
Em geral, a eficácia de vacinas não precisa de ser 100%, se houver imunidade de grupo. Uma eficácia de 70% demonstrada em ensaios clínicos é considerada muito boa para uma vacina. Outros aspetos importantes são a duração da proteção conferida pela vacina, e a relevância da resposta imunológica induzida pela vacinação.
O que tem sido o mais dífícil neste processo?
É difícil desenvolver uma vacina contra uma doença que não é bem conhecida. Mas o mais difícil é mesmo a luta contra o tempo. Acelerámos o desenvolvimento de uma maneira sem precedentes, para tentar disponibilizar uma vacina já no início de 2021. Isto significaria um tempo total de menos de 2 anos de investigação e desenvolvimento, quando normalmente demoramos 10 a 15 anos a desenvolver uma vacina.
Como foi possível encurtar tanto tempo de desenvolvimento?
O desenvolvimento desta vacina é uma particularidade. A comunidade científica foi célere a sequenciar o vírus; a fase pré-clínica foi bastante acelerada; o foco da companhia e toda a experiência que tem estão dedicados a este projeto; a plataforma AdVac – que é uma tecnologia exclusiva da J&J – para construir o vetor e avaliá-lo permitiu um avanço rápido; e por fim, a situação de emergência médica prevê mecanismos regulamentares que podem ajudar a que tudo se desenvolva de forma mais veloz; é um esforço conjunto da comunidade científica, indústria farmacêutica e autoridades regulamentares no sentido de disponibilizar uma solução eficaz e segura em tempo recorde.