É visto por muitos como a principal ameaça ao “milagre português”. O “R”, ou valor de reprodução do vírus, que tem sido usado por especialistas e políticos em todo o mundo para explicar a força do contágio em cada país, agravou-se em Portugal e na última semana começou a subir. Ou seja, se na altura da Páscoa esse valor estava nos 0,9, significando isso que, em média, cada infetado não contaminava sequer uma pessoa (0,9%), agora esse valor situa-se nos 1,02 (média de 23 a 27 de maio), com a região de Lisboa e Vale do Tejo em 1,05 e o Norte em 0,93. Quando o “R” se situa abaixo de 1, é sinal de que a propagação está a baixar; se estiver acima, indica que está a crescer,.
A verdade é que este valor de número médio (R) de contágios tem sido apontado como um dos fatores decisivos para a tomada de decisão sobre o relaxamento das medidas de confinamento: no seu discurso após recuperar da doença, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson disse que era importante “reconhecer os riscos de um segundo pico, de perder o controlo do vírus e de deixar o número de reprodução voltar a ultrapassar o 1”; e a chanceler alemã, Angela Merkel, numa comunicação ao país, avisou que, se o nível de reprodução (R) estiver no 1,1, se atinge o limite do serviço nacional de saúde em outubro; se passar para 1,2, o caos será vivido em julho e se for de 1,3 o colapso da saúde chegará em junho.
Mas o que torna o “R” tão importante? “É, de uma forma simples, o que mede a força da transmissão da doença. Ou seja, o número médio de infetados que cada doente gera”, explica Ricardo Mexia, presidente da Associação Portuguesa de Médicos de Saúde Pública. Assim, acrescenta, quando se fala de um “R” de 0,9 significa que 100 doentes vão originar 90 novos casos. Se se mantivesse nesse valor de “R”, a seguir passaríamos para 81 casos, depois para 72,9, até desaparecer.
Em toda esta análise, os especialistas explicam que é preciso ter em conta dois indicadores: o R0 e o Rt. O primeiro é um indicador da transmissibilidade da infeção e que corresponde ao número médio de casos secundários a que cada caso dá origem. “Deve ser calculado na fase inicial da epidemia, ainda sem as medidas de contenção”, segundo o Instituto Nacional de Saúde Pública Doutor Ricardo Jorge (INSA). Em Portugal, essa estimativa apontava para que, sem a quarentena, cada infetado contagiasse 2,08.
“O R0, ou número básico de reprodução, foi uma medida criada em 1952 quando se estava a estudar a malária. É um parâmetro epidemiológico que permite perceber se uma doença está ou não a alastrar numa população suscetível”, detalha Henrique Lopes, especialista em Saúde Pública e professor na Universidade Católica Portuguesa. É um conceito que está ligado ao paciente zero e os cálculos são feitos, no início da pandemia, com base na “homogeneidade da transmissão” e em três fatores: as condições do hospedeiro, o agente patogénico e os fatores ambientais.
Já o Rt mede o comportamento prático do vírus na sociedade, depois de se introduzirem mudanças, como o confinamento social. “É calculado em função do tempo”, acrescenta Ricardo Mexia, explicando que diz, em dado momento, quantas pessoas serão infetadas por cada doente.
Por isso, este Rt é usado para medir a eficácia das medidas de contenção: ao baixar, mostra que estão a ter eficácia. Em Portugal, de acordo com dados do INSA, o Rt chegou a estar nos 2,49, mas depois começou a descer no dia 12 de março (data em que foi feito o anúncio do fecho das escolas), tendo-se acentuado mais quebras a 16 de março (dia do fecho das escolas) e a 18 de março (anúncio do estado de emergência). E chegou a ficar nos 0,94. Por isso, entre 12 e 16 de abril, cada infetado originou em média menos de um caso secundário, garante o INSA. Um número que entusiasmou os governantes, a par da descida de internamentos, de mortes e de doentes em cuidados intensivos.
No entanto, o alarme começou a soar quando surgiram sinais de que o vírus estava a ganhar força de contágio, com cada doente a infetar, pelo menos, uma pessoa. “Pode estar relacionado com o facto de se ver mais pessoas na rua.” No entanto, avisa por seu lado Henrique Lopes, este aumento pode ser uma “situação normal”. “Basta que haja uma nova cadeia de transmissão, que influencia os valores de uma região”, como sucedeu com um armazém na Azambuja e no Bairro da Jamaica.
Num ponto todos estão de acordo: com o fim do estado de emergência estes valores subiriam sempre. Por isso, explicam os especialistas, muitos países consideram que só se deve abrir a economia quando 100 pessoas derem origem a apenas 70 novos contaminados. Isto para existir uma folga e o vírus poder crescer sem se descontrolar.
Esse mesmo receio foi assumido pelos especialistas naquela reunião no Infarmed. Todos admitem que duas semanas após o fim do confinamento os contágios tenderão a disparar, abrindo caminho a uma segunda vaga. Aliás, foram revelados dados que mostram que países que já deixaram o confinamento estavam perto de atingir o temível R1. E, por isso, os peritos sugeriram ao Governo várias medidas, como impor limites de ocupação nos espaços públicos, continuar a apostar no teletrabalho e no uso de máscara, e recorrer a uma app no telemóvel que monitorize os contactos e, caso alguém revele estar positivo para a Covid-19, possa ser dado alerta a quem com essa pessoa contactou nos 14 dias anteriores. Tudo para evitar que o “milagre português” desapareça.