Sendo a hipertensão a principal causa de doença cardiovascular e de morte prematura em todo o mundo e que 40% da população portuguesa é hipertensa, falámos com o neurologista Miguel Viana Baptista sobre a relação entre a hipertensão e a demência
O que é demência vascular?
Demência vascular é um termo genérico que engloba os processos de compromisso cognitivo que resultam de lesão cerebral por diminuição do aporte de sangue. É a segunda causa mais frequente de demência. Mais vezes é atribuída a uma lesão direta, resultante de um acidente vascular cerebral, mas pode também resultar de pequenas lesões, silenciosas ou frustres, que vão danificando o cérebro a pouco e pouco, só se tornando aparente quando a extensão da lesão é muito grande.
Do ponto de vista clínico, sintomas como a lentidão do raciocínio, a dificuldade no julgamento crítico e no planeamento de tarefas, bem como a perda da memória são os mais frequentes. Quando a instalação do compromisso cognitivo se dá na sequência de um acidente vascular cerebral agudo o quadro é mais facilmente percetível, enquanto que nos casos em que o curso é progressivo pode acontecer só se tornar aparente quando já existe compromisso funcional, isto é, quando o doente já não é capaz de se manter autónomo.
Como se pode prevenir?
A melhor maneira de prevenir a demência vascular é controlar os fatores de riscos vasculares. O controlo da tensão arterial é mesmo uma das medidas mais importantes e que contribui igualmente para prevenir a Doença de Alzheimer.
Por isso mesmo, importa sensibilizar as pessoas para que durante esta altura de pandemia não descurem o tratamento da hipertensão e mantenham as consultas com os seus médicos. Também, caso se identifiquem com os sintomas que referi, devem procurar agendar uma consulta de neurologia, para que possa ser feito um correto diagnóstico e o acompanhamento. Os hospitais e os médicos estão preparados para receber os doentes com toda a segurança necessária.
Paralelamente, manter uma boa função intelectual exige também assegurar que o cérebro se mantém ativo.
Os doentes com hipertensão arterial têm risco mais elevado de desenvolverem demência?
Sim. Em particular os adultos jovens, isto é, aqueles que se encontram na quarta e quinta décadas da vida parecem ser particularmente vulneráveis. Isto significa que a hipertensão exerce o seu efeito destrutivo numa idade muito precoce, enquanto que a manifestação do sofrimento cerebral, isto é, o compromisso cognitivo, se vai tornar aparente numa idade muito mais avançada como a sétima ou oitava décadas de vida. Com efeito, o problema da hipertensão na demência não é estas condições conviverem em simultâneo, mas sim a hipertensão manifestar-se precocemente em indivíduos que um dia mais tarde, vinte ou trinta anos depois por vezes, vão desenvolver demência.
O problema é, no entanto, muito complexo porque a hipertensão associa-se não só a um maior risco de demência vascular, mas também a um maior risco de doença de Alzheimer, significando, pois, que esta condição tem um papel determinante nas duas principais causas de demência. Em rigor, é importante sublinhar que em muitos dos doentes idosos a Doença de Alzheimer e a Demência vascular coexistem e as manifestações clínicas resultam tanto do compromisso degenerativo quanto do compromisso vascular.
Como pode ser feita a deteção precoce de danos neurológicos em doentes com hipertensão antes da ocorrência de qualquer sintoma?
Mais do que a deteção precoce da lesão cerebral é necessário monitorizar os fatores que predispõem à ocorrência desta lesão. Em rigor, é importante perceber que a prioridade é prevenir. E esses são sobretudo os fatores de risco vasculares, a hipertensão em particular, mas também a hipercolesterolémia [colesterol alto] e a diabetes. Estudos recentes sugerem que a utilização de uma terapêutica conjunta com antihipertensores e hipolipemiantes pode ser particularmente útil na prevenção da demência. Por outro lado, a fibrilhação auricular, uma arritmia cardíaca particularmente frequente e que comporta um importante risco de acidente vascular cerebral, parece também associar-se a um maior risco de compromisso cognitivo.
A hipertensão causa danos no cérebro de forma progressiva? De que forma?
Do ponto de vista biológico o problema é particularmente complexo, sendo diversos os mecanismos pelos quais a hipertensão leva à lesão cerebral. Um dos mais bem conhecidos é a doença dos pequenos vasos, um processo patológico que acontece predominantemente nas zonas mais profundas do cérebro. A hipertensão parece comprometer seletivamente estes vasos de pequeno calibre levando à lesão da substância branca cerebral e à consequente disrupção das ligações entre centros funcionais. Paralelamente, existe todo um cortejo de fenómenos patológicos que podem associar-se à hipertensão e levar à lesão cerebral, incluindo, entre outros, a alteração da função regulatória das paredes dos vasos, a inflamação ou o compromisso da barreira hemato-encefálica, ou seja da unidade anatómica e funcional que protege o cérebro.