A Enfermagem, tal como a Humanidade, existe desde o início da memória. E tal como a Humanidade, tem acompanhado a sua evolução, à semelhança de outras profissões, embora com mais dores de crescimento. A Enfermagem, num significado mais lato, é sinónimo de cuidar do outro e a necessidade de cuidar do outro existe desde que existe afeto e empatia. A Enfermagem dos dias de hoje, teve o seu arranque com o trabalho de uma enfermeira inglesa – Florence Nightingale. A história desta mulher, numa época dominada por homens, marca a evolução dos cuidados de saúde no mundo, em particular, no controlo da infeção e na organização de serviços de saúde, com medidas que ainda hoje se utilizam no
controlo da expansão da atual pandemia.
A história desta enfermeira começou a ganhar forma por ter sido pioneira nos cuidados aos soldados feridos na Guerra da Crimeia. O grande marco foi a publicação do seu livro Notes on Nursing (1859), livro que revelou a importância e a necessidade de se adotarem determinadas medidas sanitárias nos hospitais. Medidas criadas pela enfermeira que aos olhos de hoje parecem óbvias, como a lavagem frequente das mãos, a implementação de um sistema de triagem, a separação física dos soldados por grau de gravidade, a avaliação dos sinais vitais de uma forma mais regular ou a oferta de uma melhor dieta, foram de facto revolucionárias à época, porque se traduziram numa redução significativa de mortes. A verdade, é que ainda hoje o são. Esta enfermeira não criou apenas os alicerces da Enfermagem profissional que hoje conhecemos, sendo fundadora, em 1860, da primeira Escola de Enfermagem do mundo, no Hospital St. Thomas, em Londres, hoje parte do King’s College de Londres. Criou também os princípios que ainda hoje norteiam a organização e o funcionamento dos cuidados às pessoas nos
hospitais.
O 12 de maio é, por causa dos feitos da enfermeira Florence Nightingale, o Dia Internacional do Enfermeiro, sendo comemorado no mundo inteiro, a data do seu aniversário.
Avançando para tempos mais recentes e para um serviço de saúde, que devido à Covid-19 se tem falado bastante, as Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) são locais onde por vezes acontecem verdadeiros milagres. São muitas vezes chamados de serviços de “fim-de-linha”. Na verdade, as UCI não são locais, são competências de mulheres e homens, enfermeiros, médicos, auxiliares e técnicos, que através do seu trabalho, arte e engenho cuidam das pessoas nas situações de vida e de doença de maior gravidade, complexidade e vulnerabilidade.
Até aqui, na origem das tão faladas UCI, está o dedo da enfermeira que pensou e concretizou a Enfermagem moderna. O próprio nome nos aponta pistas nesse sentido. As palavras cuidados, intensivos e unidade não são ingénuas. Traduzem o seu propósito. As UCI tiveram início, quando enfermeiros que cuidavam de 40, 60 ou mais doentes numa enfermaria, precisavam de estar mais atentos àqueles que
mais precisavam dos seus cuidados ou vigilância. Começaram a realizar uma triagem aos doentes, colocando-os numa sala mais restrita e mais próxima da sala dos enfermeiros, com o objetivo de vigiar de perto quem mais precisava, através da avaliação mais contínua dos sinais vitais, do padrão respiratório e do estado de consciência. No fundo, quem precisava de mais cuidados e de maior vigilância, de “cuidados intensivos”. Estava dado o mote para o conceito moderno de UCI.
A evolução tecnológica, trouxe as máquinas como os monitores, os ventiladores, as máquinas de diálise e os desfibrilhadores, mas ainda hoje as UCI são o serviço onde o rácio enfermeiro/doente é mais apertado, ou seja, onde cada enfermeiro cuida de um ou dois doentes. O conhecimento científico atual demonstra incontestavelmente que quanto mais apertado é esse rácio, mais seguros estão os doentes e mais pessoas são devolvidas à sua família com melhor qualidade de vida.
Os enfermeiros representam mais de metade dos profissionais de saúde do mundo e o impacto das suas intervenções na saúde e na vida das pessoas e das comunidades é indiscutível. Reconhecendo esta importância, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, declarou que 2020 seria o Ano Internacional dos Enfermeiros. Em 2020, evocam-se ainda os 200 anos do nascimento da
fundadora da Enfermagem moderna.
Fruto do destino e da biologia de um vírus, o ano de 2020 ficará na memória e na história da Humanidade não só como um ano de celebração internacional, relativo ao trabalho que enfermeiros realizam no silêncio do seu quotidiano, mas como o ano que afirma a necessária valorização dos cuidados de Enfermagem tão importantes para os doentes desta pandemia, sem precedentes.
Muito se tem falado de ventiladores e de vacinas, com prejuízo daqueles que os colocam em funcionamento e zelam pelos doentes. Se não existirem enfermeiros, em número e em competência, para usarem essas tecnologias, essas novas “salvações”, elas por si só nada fazem. Mas, os serviços de saúde não dependem apenas de máquinas potentes, medicamentos de última geração e de profissionais
diferenciados. Até nisto, Florence é importante, porque nos relembra que o controlo de infeção, faz-se muitas vezes através de medidas simples como disso são exemplo, o distanciamento físico, a higiene regular das mãos e das superfícies. E nisto, os enfermeiros honram a tradição de Florence, uma vez que são os profissionais que mais cumprem os procedimentos de prevenção e controlo de infeção. Os vários estudos realizados nessa área, isso mesmo comprovam, sendo esse aspeto decisivo no contributo para menos sofrimento, menos doença, menos mortes.
Não esqueçamos que os enfermeiros estão nas nossas vidas antes de nascermos e depois de morrermos. Desde a consulta de planeamento familiar, passando pela vigilância da gravidez até às intervenções de adaptação a perda e ao luto. Estão lá e não deixam ninguém sozinho. Ao longo da vida é garantido que vai lá estar sempre um enfermeiro. Seja no bloco operatório, no centro de saúde, na vacinação, na saúde ocupacional, nas prisões, nos clube de futebol, nas forças armadas, numa
organização não-governamental ou numa enfermaria de um hospital. Seja quando liga SNS24 para saber o que fazer quando não se sentir bem, ou num serviço de urgência, se sofrer um acidente, está lá um enfermeiro. Temos ainda o privilégio de em caso grave, de doença súbita ou de situação emergente, ser-nos enviado à porta da nossa casa os dois profissionais mais diferenciados na prestação de
cuidados/tratamentos, um enfermeiro e um médico que formam a equipa da VMER (Viatura Médica de Emergência e Reanimação). Seja nas escolas ou nos lares, a cuidar dos mais novos e dos mais velhos ou em missões de resgate, salvamento ou de cariz humanitário. Estão no ensino superior a formar futuros enfermeiros ou outros futuros profissionais. Estão em instituições públicas, privadas, religiosas. Estão nos laboratórios, farmácias e centros de diagnóstico.
Isto mesmo verificou o médico virologista, Peter Piot e o Primeiro-Ministro britânico. Piot é hoje o diretor da Universidade de Higiene e Medicina Tropical de Londres. Granjeou fama como um dos investigadores que descobriu o vírus do Ébola em 1976. Esteve toda a sua vida na linha da frente na luta epidemiológica contra vírus que colocam em risco a vida humana. Mais recentemente, escreveu um artigo a dar conta da sua experiência, durante o internamento por Covid-19. Uma das frases mais marcantes desse seu testemunho foi a sua total entrega às competência dos enfermeiros:”You completely surrender to the nursing staff”. Boris Johnson, após ter alta dos cuidados intensivos, veio publicamente agradecer aos
profissionais de saúde em geral, mas em especial a dois enfermeiros. Até mesmo o artista Banksy, na sua última obra, faz uma referência ao heroísmo dos profissionais de saúde através da figura típica de uma enfermeira em pose de super-herói.
Por isto tudo, o diretor atual da OMS – Tedros Adhanom – afirmou que “os enfermeiros são a espinha dorsal de qualquer sistema da saúde”. Estamos aqui hoje como sempre, para todos. Independente do sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. Viva o dia 12 de maio, viva os enfermeiros do
mundo, viva em especial os enfermeiros do meu país…