Nunca pensei tanto no que é o medo como nestes dias. Já tinha sentido medo, obviamente. Em situações concretas todos temos medo. Sou mulher, já tive medo muitas vezes. Contudo não sou medrosa nem vivo amedrontada.
Quem me conhece não deve pensar que Céu e medo combinam muitas vezes. Não combinamos. Ou não combinávamos.
Tive medo uma vez quando entrei num avião decrépito na Bulgária. Foi a primeira, e única, vez que verifiquei se havia colete de salvamento. Mas estava tão cansada que me encostei para o lado e dormi a viagem toda.
Comecei a pensar mais no medo quando vim para Inglaterra. Já perdi a conta aos atentados terroristas que houve desde que para cá vim morar
Tive medo, outra vez, há muitos anos, quando acordei com um homem a bater à porta de minha casa de madrugada. Fui à cozinha buscar para uma faca e fui para a cama. Dormir. Pois, estava muito cansada. Afinal era só um vizinho preocupado em saber se eu estava viva por causa do cheiro a gás que havia à minha porta.
Comecei a pensar mais no medo quando vim para Inglaterra. Já perdi a conta aos atentados terroristas que houve desde que para cá vim morar. Atentados em Inglaterra e atentados contra os ingleses. Analisados à exaustão na televisão. Lembrados todos os anos. Já estava em Lancaster quando foi o atentado de Manchester. Tão perto. Na véspera, tinha comprado bilhete para ir ver um concerto ao Manchester Arena em novembro. Uma pessoa fica a pensar se deve ir… Claro que sim, fui! E que concerto memorável deu o Nick Cave.
O terrorismo quase sempre associado ao Islão. E há tantos islâmicos em Inglaterra. E há tantos islâmicos nos aviões. E ter medo quando a senhora sentada ao meu lado não parava de mexer no telemóvel. A viagem quase toda. Sempre a mexer no telemóvel que tinha desmontado. E que tentava encaixar. Será que ía ter tempo de perceber o “BUM”, já eras? A senhora tentava, sem sucesso, trocar o cartão do telemóvel. Mas não gostei de ter medo. Não gostei de ter medo da senhora que era diferente de mim. Eu não queria ser uma pessoa com medo e muito menos uma pessoa com medo de quem não é parecido comigo.
Mais recentemente vi muita gente a ter medo dos asiáticos. Como se fossem todos chineses. Como se a China fosse a Ásia. O “vírus chinês”, não é? E Inglaterra está cheia de asiáticos
Mais recentemente vi muita gente a ter medo dos asiáticos. Como se fossem todos chineses. Como se a China fosse a Ásia. O “vírus chinês”, não é? E Inglaterra está cheia de asiáticos. E a universidade está cheia de asiáticos. E a universidade está cheia de chineses. Curiosamente, nunca senti este medo. Mas li sobre os ataques xenófobos. Li sobre o medo de ir às “lojas do chinês”. Li sobre medo de ir ao restaurante chinês. Tive que explicar à minha sobrinha o que é o preconceito, que nasce da ignorância e nos faz acabar a ser intolerantes. Tenho medo que ela cresça preconceituosa. No Carnaval fomos almoçar um maravilhoso pato à Pequim num restaurante chinês na Expo.
Agora tenho medo de todas as pessoas com quem me cruzo. Iguais e diferentes. Tenho medo de todas. E se têm o vírus? E se me dão o vírus? E se eu lhes dou o vírus? Podemos ter o vírus e não saber, não é? Quando é que vamos poder ter a certeza que não vamos ser um perigo para os nossos pais? Quando é vamos poder ter a certeza que os netos não são um perigo para os avós e que os beijos e abraços não nos podem matar? E como é crescer com este medo? E como podemos ser tolerantes e solidários quando temos medo? Medo de todos. Medo de tudo.
Eu não sei do que tem medo a tua mãe. Eu não sei como é o medo da tua mãe. Eu sei que ter medo é não ter a coragem de pedir a um amigo para me ir levar ao aeroporto porque a filha dele está num grupo de risco. E o medo de o infetar é maior que a vontade que tenho de me despedir dele a um metro de distância.