Até há bem pouco tempo pensava-se que um cérebro adulto era incapaz de criar novos neurónios – a partir de determinada idade só os perderíamos, e de forma irremediável. Mas em meados da década de 1990, um estudo deitou por terra este princípio fundamental da neurociência. Numa experiência com ratos, provou-se que aqueles que corriam numa roda desenvolviam novos neurónios no hipocampo, a estrutura cerebral associada à memória.
Desde então, outros estudos confirmaram que o exercício físico tem efeitos positivos no cérebro dos seres humanos, e que pode ajudar a reduzir o risco de Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas. Mas uma questão fundamental permanecia sem resposta: porquê?
Os cientistas David A. Raichlen e Gene E. Alexander, dedicaram os últimos anos a tentar perceber como é que o exercício afeta o cérebro, e partilham algumas das suas surpreendentes conclusões num artigo publicado na revista New Scientist.
“Descobrindo os caminhos fisiológicos relevantes neste processo é possível criar exercícios específicos que aumentem a cognição à medida que envelhecemos”, explicam.
“As pessoas pensam que caminhar e correr são atividades que o corpo é capaz de realizar em piloto automático e, na verdade, vários estudos realizados na última década, por nós e outros cientistas, indicam que essa crença popular está errada. O exercício parece ser tanto uma atividade cognitiva quanto física e esse vínculo pode remontar a milhões de anos, à origem do desenvolvimento de características marcantes da Humanidade.”
Para perceber de que formas o exercício beneficia o cérebro, estes cientistas começaram por determinar quais as áreas do cérebro mais responsivas.
Quando os investigadores do Instituto Salk de Estudos Biológicos, na Califórnia, liderados por Fred Gage e Henriette Van Praag, mostraram na década de 1990 que a corrida fazia nascer novos neurónios do hipocampo em ratinhos, observaram que esse processo estava vinculado à produção de uma proteína chamada fator neurotrófico derivado do cérebro. Essa proteína é produzida em todo o corpo e revelou-se fundamental no crescimento e na sobrevivência de novos neurónios.
“Os resultados desses estudos foram determinantes, porque a atrofia do hipocampo está amplamente ligada às dificuldades de memória durante o envelhecimento humano e ocorre em maior extensão em indivíduos com doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer. Foi a partir daí que pudemos ter uma visão inicial de como o exercício poderia combater esse declínio”, explicam os autores.
No seguimento deste trabalho em animais, foram realizadas uma série de investigações que determinaram que, em humanos, o exercício aeróbico leva à produção dessa proteína e aumenta a estrutura – ou seja, o tamanho e a conectividade – das áreas-chave do cérebro, incluindo o hipocampo. “O nosso estudo envolveu mais de 7.000 adultos de meia-idade e idosos no Reino Unido, e foi publicado em 2019 na Brain Imaging and Behavior. Aí demonstrámos que as pessoas que passavam mais tempo envolvidas em atividade física moderada a vigorosa possuíam volumes maiores no hipocampo e que as suas funções cognitivas melhoravam.”
Foram também documentadas ligações entre exercícios aeróbicos e benefícios para outras partes do cérebro, incluindo a expansão do córtex pré-frontal. O aumento dessa região está ligado a funções cognitivas executivas mais precisas, que envolvem aspectos de planeamento, tomadas de decisão e a realização várias tarefas ao mesmo tempo – capacidades que, como a memória, tendem a declinar com o envelhecimento em adultos saudáveis e degradam-se de forma muito rápida quando há doença de Alzheimer.
Nestes casos, será o aumento das ligações entre os neurónios existentes, em vez do nascimento de novos neurónios, que será responsável pelos efeitos benéficos do exercício no córtex pré-frontal, bem como noutras regiões do cérebro, fora do hipocampo.
Os autores dedicaram-se também ao estudo da neurociência evolutiva, relacionando exercício e desenvolvimento do cérebro desde os primeiros hominídeos, e revelaram as suas conclusões num artigo publicado em 2017 na revista Trends in Neurosciences. Na sociedade moderna não precisamos nos envolver em atividades físicas aeróbicas para encontrar alimento para sobrevivermos. Não precisamos de caçar, apenas de ir ao supermercado. A atrofia cerebral e os declínios cognitivos decorrentes do envelhecimento podem também estar relacionados aos nossos hábitos sedentários, consideram os investigadores.
Mas não bastará fazer (mais) exercício para obter benefícios. Nos seus estudos, David A. Raichlen e Gene E. Alexander sugerem que as pessoas que já realizam muita atividade aeróbica devem repensar suas rotinas. “Pensem nas maneiras em que fazemos exercício. Frequentemente vamos a ginásios e usamos uma máquina estacionária; a tarefa mais exigente cognitivamente nesse exercício pode ser decidir qual o canal que vamos escolher na televisão que colocaram à frente dos nossos olhos…”
Além disso, estas máquinas removem muitas dificuldades, como manter o equilíbrio ou ajustar a velocidade, entre muitos outros desafios cognitivos intrínsecos do movimento, que estão sempre a ser convocados num ambiente em mudança. Foram então estudados os efeitos do exercício quando se incluía uma atividade cognitivamente exigente.
Por exemplo, Gerd Kempermann e os seus colegas do Center for Regenerative Therapies de Dresden, na Alemanha, exploraram essa possibilidade comparando o crescimento e a sobrevivência de novos neurónios no hipocampo de ratos após o exercício “normal” ou após o exercício combinado com o acesso a um ambiente cognitivamente enriquecido. Descobriram um efeito aditivo: o exercício sozinho era benéfico para o hipocampo, mas combinar atividade física com desafios cognitivos num ambiente estimulante era ainda melhor, levando a que nascessem ainda mais neurónios.
Em humanos, este tipo de estudos está a revelar resultados encorajadores. Por exemplo, há benefícios claros quando se conjuga exercício com um jogo mentalmente exigente e, num futuro próximo, saberemos de forma mais clara que tipos de atividades mentais e físicas são mais eficazes, bem como a intensidade e duração ideais do exercício para aumentar as funções cognitivas.
Para já, é sugerido que se pratiquem exercícios aeróbicos pelo menos durante 150 minutos por semana em intensidade moderada ou 75 minutos por semana em intensidade vigorosa (ou uma combinação dos dois). Se gostar de correr ou andar de bicicleta, prefira o ar livre às máquinas entre quatro paredes. E se o ginásio for mesmo onde se sente mais confortável (mas jogar videojogos ainda não é uma opção), procure “desligar” a função de piloto automático, mudar as suas rotinas e ficar atento ao que o rodeia.
Importante é interiorizar de vez a velha máxima (e adaptá-la): Pela sua saúde ( física e mental), mexa-se!