A professora que lidera o Departamento de Biologia Molecular e Celular da Universidade norte-americana da Califórnia, em Riverside, é filha de portugueses, mas desde o início da idade adulta que a sua casa é no outro lado do Atlântico, na Costa Oeste dos EUA.
A primeira vez que pisou solo norte-americano foi como bolseira da Fulbright. Seria o início de uma carreira científica marcada pela inovação na área da cicatrização de feridas crónicas, o que lhe valeu vários prémios.
Não menos inovadoras, as suas descobertas sobre o fumo em terceira mão estão a dar que falar e a ter consequências no plano legislativo do estado onde trabalha e reside. A meta é preservar a saúde, especialmente no caso de grupos mais vulneráveis.
Porque decidiu estudar os efeitos do fumo passivo na saúde?
Comecei cedo a investigar os efeitos do tabaco porque, em Riverside, havia um Instituto Ambiental que estudava os efeitos das toxinas no organismo e o impacto destas nos processos de cicatrização. O diretor desse instituto veio ter comigo e perguntou-me se estava interessada no tema e eu pensei, então, no tabaco.
Desenvolvi um método em que expunha ratinhos ao fumo, de forma semelhante à dos humanos, no seu ambiente natural e tornou-se claro que as crianças que vivem com fumadores têm mais infeções auditivas e respiratórias e, até, hiperatividade.
Porém, era difícil provar que a origem desses problemas era o tabaco fumado em casa, pois os dados tinham tal variabilidade que não estava a ser possível tirar conclusões.
Mas as suas investigações produziram impacto. Que implicações tiveram na vida real?
Muitos dos meus dados com ratinhos chegaram aos legisladores da Califórnia. Eles criaram uma lei que proíbe o fumo nos centros de dia privados, porque há muitas toxinas que se infiltram nas superfícies, nos cortinados, nas carpetes, no mobiliário, no cabelo e nas roupas.
Espero que esta lei venha a entrar em vigor em outros estados. Para já, estamos a estudar como o fumo em terceira mão afeta os processos fisiológicos que produzem energia nas células para elas poderem trabalhar bem.
O que é exatamente o “fumo em terceira mão”?
É o fumo em segunda mão que sai do cigarro e se deposita em várias superfícies. A nicotina agarra-se a esta e, em contacto com o ar, transforma-se em nitrosaminas que são agentes carcinogénicos.
Essas substâncias foram encontradas na urina das crianças que viviam em casas de fumadores.
Por exemplo, se tiver um fogão a gás, este produz óxido nítrico, o que facilita o processo que leva a nicotina a converter-se em agentes carcinogénicos que são absorvidos pelas crianças, seja através da respiração ou da pele, por tocarem com a boca ou as mãos nessas superfícies ou, até, no cabelo dos pais que fumam.
E desenvolvem tosse e outros problemas de saúde.
Porém, não deixa de ser um paradoxo que tenham zonas exteriores livres de fumo e, ao mesmo tempo, tantos carros com combustíveis fósseis.
É. Há quem diga, “só fumamos em certos sítios, quando chegamos a casa não o fazemos, etc.”, mas trazem todos esses químicos no corpo. O algodão das t-shirts é um reservatório enorme deles, porque os absorve.
A lei portuguesa é utópica por aceitar que não há problema em fumar em esplanadas e em sítios ventilados?
Ou até temos médicos que dizem que até três cigarros por dia não é problemático para a saúde, porque o organismo os recicla?
No exterior o fumo vai para cima e circula, mas não deixa de ir também para o corpo, as roupas, o cabelo e predispõe o organismo a processos inflamatórios. Por outro lado, enquanto este o recicla, já o fumo entrou na corrente sanguínea, nos tecidos e está a desgastar as células.
Nos ratinhos, encontrámos processos pré-inflamatórios por as toxinas estarem constantemente a estimular o sistema imunitário dos ratos. Ou seja: quando expostos a uma doença ou infeção, o sistema de defesas já não está em forma, mas desgastado. Por isso, têm mais problemas de saúde.
Mas também acontece haver gente que tem tumores sem nunca ter fumado.
Sim, é um facto que levanta muitas interrogações. O que sabemos é que estas toxinas afetam diretamente o pâncreas e o fígado das cobaias, que também se tornam hiperativas; quando colocadas numa pequena caixa, tentam escapar de forma frenética, comparativamente a outras que ficavam cansadas ao fim de 15 minutos e se conformavam a ficar na caixa.
O fumo cria condições para comportamentos hiperativos em crianças que vivem em casas de fumadores.
Os escapes dos carros e o stresse fazem pior do que um cigarro eletrónico. É assim?
O corpo entra em stresse quando liberta cortisol em excesso. Os escapes dos carros não libertam nicotina; os vaporizadores sim. Mesmo os cigarros de que se dizem não ter nicotina na sua composição, ao serem analisados apresentam sempre um pouco.
Isto já para não falar dos plásticos e dos materiais sintéticos de que são feitos. No campus da Universidade da Califórnia em
Riverside não há fumo nem carros, só na periferia. Temos tolerância zero nestas duas áreas. Em Berkeley, é a mesma coisa. Voltando aos cigarros eletrónicos, o perigo está na composição e no risco de explosão, sobretudo os que são mais baratos.
Com a liberalização do consumo de drogas e a multiplicação de dispositivos eletrónicos e de vaporizadores feitos à base de platina ou de titânio, por exemplo, não há qualquer perigo?
As pens a que se refere são de materiais mais inertes e apresentam menos riscos para a saúde, por isso são mais caras. Os jovens estudantes não as compram; estes acedem a materiais que reagem de outras formas ao calor e à combustão.
Além disso, as toxinas do tabaco podem modificar o ADN e, mesmo que não haja alteração dos nucleotidos, há mudanças epigenéticas.
A mitocôndria da célula produz ATP e, quando os ratinhos são expostos a fumo em terceira mão, essa produção desce. Se os pusermos ao ar livre, durante um período de tempo, os níveis voltam ao normal mas a produção de ATP não.
Estes estudos, financiados pela Tobacco Related Disease Research Program, permitem-nos dizer que as células cerebrais ou do fígado das gerações seguintes vão ter estas alterações na mitocôndria.