É oficial: no passado dia 25 de maio, os 194 membros da Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceram que a dependência do jogo é uma doença. Não foi bem uma surpresa para quem acompanhou os desenvolvimentos da 11ª revisão da Classificação Estatística Internacional das Doenças e Problemas de Saúde Relacionados (ICD-11), em junho do ano passado. Até mesmo para a indústria dos jogos, que não via razões palpáveis, ancoradas em dados científicos suficientemente robustos, para se poder dizer que o comportamento de certos jogadores deveria ser considerado um problema, menos ainda uma patologia, com sintomas claramente descritos:
– Padrão de comportamento que a pessoa não é capaz de controlar quando joga
– Jogar ganha prioridade face a outros interesses e atividades diárias
– A continuação ou escalada do comportamento, apesar das consequências negativas
Desde que os sintomas tenham ”um grau de severidade suficiente que comprometa ou afete o normal funcionamento na esfera pessoal, familiar, social, académica e ocupacional, entre outras, ao longo de pelo menos 12 meses”, eles permitem avançar com segurança e rigor para um diagnóstico. A classificação entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2022.
O risco existe e pode ser medido
A adição aos videojogos na internet já tinha sido contemplada, em 2013, no apêndice do Manual das Perturbações Mentais revisto (DSM-5) pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), com a indicação de tratar-se de uma “condição sujeita a mais estudos”. O reconhecimento da dependência dos jogos pela OMS, ancorada em inúmeros estudos e no consenso alargado de peritos em várias áreas.
O reconhecimento da dependência comportamental ao jogo, passível de ser diagnosticada e tratada, deixou os gigantes da indústria de jogos, pois embora haja diferenças nos critérios de classificação da APA e da OMS, elas surgem concertadas, enfraquecendo as objeções de entidades como a Entertainment Software Association (ESA): a OMS estaria a cometer um erro, por negligenciar a importância decisiva dos jogos no desenvolvimento económico, político, criativo e com ganhos nas áreas da educação e da saúde. Sem excluir a pertinência e legitimidade deste ponto de vista, é inegável o horizonte que se abre, com a nova classificação, no estudo do impacto psicossocial do jogo nas pessoas que o fazem de forma excessiva
O primeiro teste psicológico para avaliar esta perturbação psicológica já está em marcha. A equipa que o lidera é coordenada por um investigador português e outro alemão. Halley Pontes, psicólogo da universidade australiana da Tasmânia, e Christian Montag, da universidade alemã de Ulm, conduziram um ensaio numa amostra de 550 estudantes ingleses e chineses com uma idade média de 23 anos. Os resultados, a publicar no International Journal of Mental Health and Addiction, permitiram afirmar que os estudantes jogavam 12 horas por semana, em média, e quase metade (46%) fazia-o aos fim-de-semana, sozinho, diante do computador ou em dispositivos móveis. Os resultados permitiram afirmar que 6,4% da amostra (36 participantes) reunia as condições para diagnosticar a perturbação psicológica, à luz dos critérios da OMS.
O Gaming Disorder Test
Este instrumento psicométrico segue os critérios clínicos definidos pela OMS e pode vir a ser o maior estudo em curso no âmbito da dependência comportamental. A ideia dos investigadores é abrir a escala ao maior número possível de participantes e, desde que tenham jogado nos últimos 12 meses, dar-lhes feedback “apenas se os resultados obtidos através do teste (uma escala de um a cinco) indicarem uma tendência para a dependência de videojogos (gaming disorder)”. O recrutamento está a ser feito online e conta com a colaboração da empresa desportiva ESL Gaming. A finalidade é compreender em que medida esta atividade pode constituir um problema e que factores contribuem para esta perturbação psicológica, como as motivações, as variáveis sociodemográficas e de personalidade.
Para participar basta aceder ao teste na plataforma online, em inglês: www.do-i-play-too-much-videogames.com.