No início deste ano, surgiu, no Reino Unido, um grande debate sobre o combate ao desperdício dos alimentos, depois de Theresa May admitir que retirava as partes dos doces e compotas que tinham bolor e aproveitava o resto dos frascos. Apesar de surgirem críticas, muitos ingleses apoiaram a atitude da primeira-ministra, por fazer um esforço para reduzir o desperdício.
Contudo, é importante saber se esta prática não é prejudicial à saúde e se todos os alimentos que ganham bolor podem ser consumidos quando as partes afetadas são retiradas. Isto porque a contaminação de alimentos com fungos conduz à produção de micotoxinas, substâncias químicas tóxicas que podem provocar vários problemas.
“Podemos estar expostos diariamente a um conjunto de micotoxinas e não apenas a uma e por isso é necessário realizar um controlo rigoroso da qualidade dos alimentos, tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento”, explica, à VISÃO, Conceição Calhau, nutricionista do Hospital CUF Descobertas e Infante Santo.
Um dos tipos de micotoxinas é a Aflatoxina B1, produzida por um fungo, que pode estar, segundo a especialista, presente em alimentos como o amendoim. Esta micotoxina é bioativada no fígado, podendo alterar genes cruciais na regulação da divisão celular. “Se essa mutação não for reparada, conduzirá a uma proliferação descontrolada das células do fígado, daí a sua forte associação ao carcinoma hepatocelular”, explica Conceição Calhau.
Também o conhecido mofo da maçã contém uma micotoxina denominada patulina. Esta micotoxina resiste a temperaturas de pasteurização mas não à fermentação, o que pode significar a possibilidade de estar presente em sumos, ainda que pasteurizados, mas não em bebidas fermentadas. A nutricionista diz que, além de outros efeitos, pode alterar a flora intestinal e permitir o crescimento de novas bactérias.
A Food Standards Authority, agência governamental de normas alimentares do Reino Unido, alertou, recentemente, para os riscos de se ingerirem alimentos com bolor, principalmente em grupos vulneráveis que incluem crianças, idosos, grávidas e pessoas que têm um sistema imunológico debilitado. “Embora seja possível que a remoção do bolor do alimento, assim como de uma quantidade significativa do produto circundante, possa remover toxinas não visíveis que estejam presentes, não há garantias de que todas elas são retiradas”, refere a Food Standards Agency.
A agência realizou, ainda, uma lista dos alimentos que podem ser ingeridos quando aparece o tão indesejado bolor, mas de forma cautelosa, e dos que não devem, de todo, ser consumidos.
Alimentos que não devem ser ingeridos
Pão
Não deve consumir a parte do pão que, aparentemente, não tem mofo, já que o bolor tem “raízes” que permitem que as toxinas se espalhem por todo o alimento, contaminando-o.
Massa e cereais cozidos
Estes alimentos têm alto teor de água e, por isso, não é seguro ingeri-los com bolor, já que o mofo pode contaminá-los abaixo da sua superfície.
Restos de comida
Alimentos que foram cozidos e contêm muita água, como carnes e legumes cozidos, por exemplo, não devem ser consumidos com bolor, mesmo que seja apenas uma pequena quantidade. De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), “alimentos com bolor também podem ter bactérias a crescer ao mesmo tempo”.
Queijos macios e iogurtes
Não é recomendado o consumo de queijos como mozzarella, cheddar, brie e o requeijão, caso apresentem algum sinal de mofo. Por terem muita água e serem macios, as bactérias podem contaminar todo o alimento rapidamente. O mesmo acontece com os iogurtes.
Doces e compotas
O USDA aconselha os consumidores a descartarem os doces e compotas que contenham bolor. Tirar a parte com mofo não é solução, ja que todo o produto pode estar contaminado.
Frutas e vegetais moles
Tomates, pepinos, melancias, morangos e pêssegos, por exemplo, que contêm muita água, não devem ser consumidos com bolor.
Nozes
É importante conservar este fruto seco à temperatura ambiente e em locais secos. Caso apareça mofo, o ideal é não ingerir o alimento.
O que pode consumir-se com cuidado
Frutas e vegetais duros
Alimentos como o repolho, o pimento, a cenoura e a maçã podem apresentar pequenas marcas de bolor. Contudo, a agência americana diz que, caso se retire cerca de 2,5 cm à volta do bolor, os alimentos podem ser ingeridos, pois têm baixo teor de água e torna-se mais difícil a penetração dos fungos para o seu interior.
Queijos duros e queijos com bolor
Os queijos curados, tal como o parmesão, e os queijos produzidos com a ajuda de fungos – o roquefort, o gorgonzola e o camembert, por exemplo – podem desenvolver uma camada de bolor. No caso dos queijos curados, lembre-se de cortar a parte com bolor pelo menos 2,5 cm à sua volta. Como são queijos duros, os fungos dificilmente conseguem atingir uma zona muito interior do alimento.
Se os queijos produzidos com a ajuda de mofo tiverem muitos fungos a mais do que no momento da compra, o melhor é descartá-los.
Salame duro e presunto curado
De acordo com o USDA, alimentos armazenados a temperatura ambiente, como salame e presuntos curados, que tenham pequenas manchas de bolor na superfície, podem ser consumidos, desde que se retire todo o mofo externo e se consuma apenas a parte que não foi atingida pelo mofo.
Como pode evitar que se crie bolor nos alimentos
O crescimento de mofo é incentivado por ambientes quentes e húmidos. Por isso, é importante manter os alimentos perecíveis nos frigoríficos (que devem ser limpos regularmente).
Além disso, no momento da escolha, deve observar bem os produtos e fazer compras em quantidades reduzidas para que não fiquem demasiado tempo guardados sem serem consumidos.