Ter mau hálito não é apenas uma situação desconfortável e pode afetar a qualidade de vida das pessoas. Vários estudos mostram que a halitose tem um impacto negativo na vida social, aumenta os níveis de ansiedade e de stresse e interfere com as relações interpessoais. Além disso, diminui a autoestima e a confiança, e há até quem sofra de bullying por ter este problema.
De acordo com Jonas Nunes, diretor da primeira unidade hospitalar de halitose na Europa, no Centro Médico Teknon, em Barcelona, foram já reportados casos de pessoas que cometeram suicídio e que, em vida, identificaram o mau hálito como a sua maior perturbação, segundo consta na base de estudos científicos PubMed.
Naquele centro, que dirige desde 2007, o especialista recebe amostras de hálito (cromatografia gasosa) de pacientes de todo o mundo. Jonas Nunes é também diretor do Instituto do Hálito, igualmente com sede em Barcelona, e com consultas em Portugal.
Num estudo conduzido por este instituto durante cinco anos, que envolveu mais de três mil pessoas, com consultas em Lisboa, Porto e Faro, que se queixavam deste problema, concluiu-se que o mau hálito tem maior prevalência em pacientes com idades entre os 36 e os 45 anos e que a diferença de género não tem relevância. Mais de metade dos participantes referiu lavar os dentes entre duas e três vezes por dia. Quanto à limpeza da língua, que influencia o desenvolvimento de mau hálito, 59,8% afirmaram escovar a língua com a escova dos dentes e apenas 5,8% mencionaram fazê-lo com um raspador lingual.
A VISÃO Saúde esteve à conversa com o especialista (já tratou mais de 9 mil pacientes de mais de 90 países), que explicou as várias causas da halitose e alguns dos tratamentos possíveis para este problema.
Causas
Boca
A origem oral mais frequente do mau hálito é a saburra lingual, ou seja, uma massa composta por células descamadas da boca, bactérias, muco da saliva e restos alimentares que aderem à superfície da língua. Esta situação pode ser consequência de uma língua anatomicamente mais propensa a esta condição, como papilas linguais em maior número e de maior dimensão.
No entanto, de acordo com Jonas Nunes, existem outras causas, como problemas nas gengivas e nos dentes – neste caso, a intensidade e frequência do mau odor são proporcionais à gravidade da doença. Entre os sinais de alerta estão o sangramento gengival, o progressivo aumento de espaços entre os dentes e a mobilidade dentária. Também a hipossalivação é uma das causas do mau hálito e pode ser indicadora de várias doenças autoimunes, sistémicas e metabólicas.
Tubo digestivo
De acordo com Jonas Nunes, as halitoses com origem no tubo digestivo ocorrem com pouca frequência, mas podem ser indicadores de algumas doenças. Entre estas o refluxo gastroesofágico. Muitas pessoas pensam que este problema é apenas um sinal ou sintoma, mas é uma doença e pode manifestar-se através do mau hálito, diz o médico.
Também o odor pode ser sinal de úlceras gástricas que provocam sangramento, por exemplo. Fatores como a obesidade, a diabetes e o tabagismo aumentam a probabilidade de se vir a ter a doença do refluxo gastroesofágico.
O tipo de odor de quem sofre destas halitoses é ácido, e, entre os fármacos mais efetivos para o tratamento deste mau hálito, estão, segundo o especialista, os inibidores da bomba de prótons (omeprazol, pantoprazol, rabeprazol e outros), ingeridos uma ou duas vezes ao dia.
Via sistémica
Neste caso, o mau hálito resulta de fenómenos metabólicos, fisiológicos ou patológicos que ocorrem a partir do funcionamento interno do organismo.
A alimentação, por exemplo, pode causar halitoses e, apesar de a reação aos alimentos variar de pessoa para pessoa, os mais associados à produção de mau odor são, segundo Jonas Nunes, as carnes vermelhas, alguns peixes (sardinha ou carapau), alguns vegetais (alho, cebola, alcachofra, couve, couve-flor, repolho, brócolos e azeitonas), laticínios (leite, queijo e manteiga), alimentos gordurosos, bebidas alcoólicas, condimentos, ovos, maionese, chocolate e frutas como o durião.
Também a ingestão de café pode provocar halitoses, pelas suas características desidratantes para a saliva. Os jejuns prolongados também podem desencadear este problema e o mesmo se passa com o consumo de alguns medicamentos com odor forte.
No entanto, não representam riscos significativos para a saúde, diz o médico. Há outras patologias menos frequentes – e mais graves – que causam mau hálito intenso, como as doenças hepáticas, renais e metabólicas.
Aparelho respiratório
O mau hálito pode ser provocado por problemas como rinossinusite (também conhecida como sinusite) ou as amigdalites.
A primeira é uma doença inflamatória e o odor desagradável pode estar associado à respiração bucal, obstrução nasal, rinorreia posterior, desvio do septo nasal e expetoração.
Já em relação à inflamação das amígdalas, pode causar halitose quando ocorre a produção de depósitos amarelo-esbranquiçados conhecidos por caseum. Em ambos os casos, o odor é, de acordo com o especialista, “um cheiro com origem bacteriano, sendo mais ‘putrefacto’ no caso das rinossinusites, e mais semelhante a ‘fezes’ no caso das amigdalites”.
Para as rinossinusites, o médico aconselha lavagens nasais regulares com soro fisiológico. Quanto às amigdalites, muitas vezes são tratadas com cirurgia, para as reduzir ou remover.
Origem psicológica
Há mau hálito causado por níveis de ansiedade e stresse muito elevados, já que fazem com que haja um decréscimo de secreção salivar que origina alterações de paladar, dor e sensação de ardor bucal. Também existem halitoses irreais, que se associam a doenças obsessivo-compulsivas, como é o caso da halitofobia.
Tratamentos
Para cada causa de halitose existe uma terapêutica específica. Um elixir de uso oral não age sobre um cheiro decorrente de uma sinusite, tal como um antibiótico não trata o mau hálito provocado por alimentos.
Medicamentos – Há substâncias ativas que acabam com as bactérias que provocam o problema e outras que estimulam a função salivar
Intervenção cirúrgica ou higiénica – É o caso da remoção das amígdalas ou a limpeza dos dentes
Prevenção – Abstinência de alimentos que podem desencadear o mau hálito e lavagem nasal
Mitos e verdades
Há um elixir que cura? E há muitos casamentos afetados?
Bactéria produtora de mau hálito – É um mito. Segundo Jonas Nunes, não existe, como muitos referem, esta bactéria. Há, no entanto, um conjunto de problemas que causa mau hálito
Elixir que cura o mau hálito – A existência de um medicamento que resolve todo e qualquer mau cheiro da boca é totalmente falso, segundo o especialista
Divórcios e menos promoções – É verdade que o mau hálito pode ter impacto na vida pessoal e profissional, garante o médico. Muitos pacientes referem terem sido preteridos em promoções no emprego ou as suas relações terem acabado em divórcio