Em Alegria Todo o Dia (editora Lua de Papel, €15), Chade-Meng Tan, autor do bestseller Procura Dentro de Ti, explica como se podem multiplicar os momentos felizes, o que, acredita, é o primeiro passo para se ser feliz.
O popular autor de livros de auto-ajuda, ex-vice-presidente da Google e programador de sucesso propõe-se ensinar a usar as técnicas do mildfulness especificamente para gerar felicidade. Aqui publicamos um excerto sobre este “treino da mente”.
“No início, tive muita dificuldade em fazer meditação. (Recorde que a meditação é o treino da mente. Quando me referir a práticas de meditação específicas, como a meditação sentada, vou referi-las.) Não apreendi que pudesse haver alguma relação entre a meditação e a felicidade. Felizmente, quando descobri como fazer a meditação, não demorei muito tempo – apenas alguns meses – a reconhecer as mudanças na minha vida. Agora, vejo claramente como o treino da mente tem tudo que ver com a felicidade. Com este livro, vão obter os benefícios da minha experiência de aprendizagem da forma mais difícil, por isso, podem confiar que as coisas vão ser melhores para vocês, em menos tempo e com menos dificuldades, e mais felicidade do que eu tive. Não têm de agradecer.
O primeiro benefício, provavelmente o mais importante do treino da mente, é a capacidade para acalmar a mente quando queremos.
Com a prática, vão descobrir a forma mais adequada de entrar no estado de mente calma a maior parte das vezes que estiverem a fazer a meditação sentada. Melhor ainda, vão poder observar como serão capazes, cada vez mais, de aplicar essa capacidade na “vida real”, em situações em que não estão a meditar sentados. Só esta aptidão já é capaz de mudar uma vida. Por exemplo, um aluno de uma das minhas aulas, após algumas semanas de treino, descobriu que era capaz de se conter e não insultar a sogra. Isto mudou a sua vida, sem dúvida.
A capacidade para acalmar a mente sempre que quisermos tem também implicações profundas na liderança. Imagine que está numa sala de reuniões com os seus colegas, no meio de uma crise. Todos estão excitados, mas você mantém-se calmo e capaz de refletir, porque apenas você desenvolveu a capacidade de acalmar a mente on demand, ou seja, sempre que quiser. O que é que vai acontecer? Na sala, toda a gente vai olhar para si e pensar: “Uau, esta pessoa é um líder. E têm toda a razão, porque se trata de liderança. A peça-chave da liderança é precisamente a capacidade de pensar calma e claramente debaixo de fogo. Por isso, ao treinarmos para acalmar a nossa mente tornamo-nos líderes mais eficazes.
O segundo benefício do treino da mente é a clarividência. Com a mente calma chega o discernimento. Não, de facto não chega: para muitos principiantes, com a mente calma chega a sonolência. Mas assim que desenvolvem a capacidade para acalmar a mente, sem necessariamente estarem sonolentos, conseguem entrar num agradável estado da mente que é, em simultâneo, calmo e clarividente.
É como um copo de água cheia de sedimentos que se deixa em repouso durante algum tempo – quando os sedimentos assentam no fundo do copo, a água torna-se mais límpida. De igual modo, quando a mente acalma durante algum tempo, algum do ruído da atividade mental assenta e a mente torna-se mais límpida, sendo o efeito óbvio uma maior autoconsciência. À medida que a mente se clarifica, também se clarifica a nossa perceção sobre o processo das emoções, da consciência e do eu. Isso fortalece pelo menos dois aspetos da autoconsciência: a consciência emocional, em que as subtilezas da nossa experiência das emoções, a cada momento, são cada vez mais percetíveis; e a autoavaliação, em que conseguimos avaliar com mais objetividade a nossa própria identidade, inclinações, recursos e fraquezas.
Um terceiro benefício do treino da mente é a resiliência emocional, especialmente na resposta à dor emocional. A resiliência emocional funciona em três etapas: na concentração, na afetividade, e na cognição.
Quando atingidos por um episódio de dor emocional, primeiro aplicamos uma estratégia de concentração, redirigindo temporariamente a atenção para a respiração e para o corpo e, através disso, acalmamos a mente. Acalmar a mente, só por si, já resolve metade do problema nesse instante, mas é apenas a primeira etapa.
Na segunda etapa, a etapa da afetividade, gerimos as emoções que vão surgindo. Aqui, de forma consciente e objetiva, apercebemo-nos das emoções à medida que as vamos sentindo no corpo. Passado algum tempo, é possível reconhecer que essas emoções, mesmo sendo fortes, são meras sensações do corpo em constante mudança, aparecendo e desaparecendo ao longo do tempo. Posteriormente gerimos os sentimentos tratando-os com gentileza, se possível. E se não for possível, pelo menos aceitando-os com serenidade. Chegados aqui, já atingimos algum grau de controlo.
Com a terceira etapa, a da cognição, ganhamos uma perspetiva mais ampla, mais conhecedora e mais compassiva. Com uma mente controlada conseguimos ver as coisas de outra perspetiva. Por exemplo, aproveitamos a oportunidade para nos percebermos a nós próprios e para crescer. Se a dor emocional surgir de uma situação que envolve outras pessoas, podemos aproveitar a oportunidade para as perceber e ao seu sofrimento. Se a dor emocional surgir de um falhanço, podemos aproveitar para descobrir como usar esse conhecimento para melhorar no futuro, lembrando-nos que a palavra chinesa para crise significa, em simultâneo, perigo e oportunidade. Por outras palavras, aplicamos a etapa da cognição para aumentar a nossa sabedoria e a nossa compaixão. Ao fazê-lo, reduzimos as possibilidades de sofrer no futuro.
O treino da mente facilita a resiliência emocional. No treino da mente procuramos acalmá-la em situações difíceis, vendo de forma totalmente clara o processo das emoções e cultivando a compaixão e a objetividade. Deste modo reforçamos a nossa capacidade para percorrer essas três etapas, quando somos confrontados com a dor emocional.
Qualquer destes três benefícios essenciais do treino mental – a calma, a clarividência e a resiliência emocional — são, por si só, elementos que mudam a nossa vida. Com a prática, quem medita pode alcançar esses três benefícios. A meditação mudou sem dúvida a minha vida (para melhor, caso se perguntem). Com calma, clarividência e resiliência crescentes, tornei-me cada vez mais capaz de ultrapassar o sofrimento na minha vida. A meditação revelou-se a solução para o meu sofrimento. Honestamente, foi o melhor que me aconteceu. E sei que não aconteceu apenas comigo. Por exemplo, voltando atrás no tempo, quando a fundadora e CEO Yunha Kim lançou uma startup chamada Locket, descreveu como os benefícios básicos do treino da mente fizeram a diferença:
Estava sob uma enorme pressão. Quanto mais dinheiro conseguíamos angariar, mais pressão eu sentia – não apenas pelo sucesso da empresa mas também pela minha performance como jovem estreante empreendedora e líder. Mais tarde tivemos de reavaliar a estrutura e despedir metade da equipa. Tinha trabalhado e convivido com muitos deles. Não consigo descrever conto me sentia stressada e infeliz nesse período. Não dormia, não me alimentava, e a incerteza no futuro da empresa estava a consumir-me. Mas tinha de me apresentar aos outros com uma cara feliz, como uma CEO confiante.
Decidi consultar um terapeuta, que me recomendou a atenção plena e a meditação. Primeiro estava cética, porque pensava que era uma coisa de hippies e de monges. Fui educada segundo os princípios do cristianismo e hesitava em seguir por um caminho associado a outras religiões. Mas depois de ter praticado a meditação algumas vezes, fiquei surpreendida por descobrir a clarividência, quer no meu coração, quer na minha mente. Por isso comecei a meditar todas as manhãs, durante dez minutos. Já passaram dois anos, mas desde então há toda a diferença na minha vida. Primeiro, apreciei a clarividência que trouxe aos meus pensamentos, mas à medida que o tempo ia passando comecei também a apreciar a calma que trouxe à minha mente.
Há momentos em que estou inquieta e irritada sem nenhuma razão óbvia. Sinto-o no meu corpo – a minha respiração é mais rápida e pouco profunda, tremem-me os pés e as mãos. A meditação ajuda-me a identificar a causa do desconforto. Por exemplo, um dia descobri que a inquietude que eu sentia no trabalho resultava de uma discussão não resolvida com a minha mãe, na noite anterior. Noutra ocasião, num jantar de amigos, descobri que a minha ansiedade se devia à expectativa da chegada de um e-mail de um colega meu. Tem sido fascinante para mim descobrir como a minha mente, alimentada por uma pequena discussão ou pela chegada de um e-mail, transforma uma pequena bola de neve em algo substancialmente maior. A meditação não resolveu tudo na minha vida, mas a sua prática diária ajudou-me a simplificá-la, ao desembaraçar os novelos complexos da minha mente dos maiores aos mais pequenos.”