São jovens, mas pensam. Andam na casa dos 20 anos e já ganham algum dinheiro. Cresceram em frente de um ecrã de computador e começaram a gravar vídeos ainda no secundário, com uma “câmarazeca” de trazer por casa. Agora, fecham-se no quarto, longe de olhares críticos, e quase sempre porque não têm “mais nada para fazer”. Primem o botão rec e desbobinam o que lhes vai na alma, sem rede. Depois, é só exportar a gravação para a enorme plataforma de vídeos que cresce exponencialmente. E num instante, estão em contacto com todo o mundo. Depressa chegam à conclusão de que o melhor do YouTube é qualquer um poder ser famoso. Mas nem todos o conseguem.
É este o retrato-robô da geração de youtubers portugueses que não cessa de se multiplicar. Existem às centenas, mas só alguns, que quase não passam dos dedos das mãos, chegam a um número de subscritores que os faz saltar da net para o mundo real.
“Olá a todos. Hoje vou fazer um vídeo de perguntas e respostas. Como é ser o unicórnio mais famoso de Portugal? É um grande fardo, porque tenho de lutar pelos direitos de todos os unicórnios deste país, que são muitos…”, in Não Faz Isso, Be Be Bela!, 132 568 visualizações
Francisco Soares, aka Kiko is Hot, 20 anos, feições andróginas, maquilhagem exagerada e corte de cabelo atípico, é um dos que atingiu o firmamento. À conta do YouTube já deixou a casa da mãe em São Domingos de Rana, Cascais, e mudou-se para um apartamento em Tercena, na linha de Sintra, onde vive sozinho. Acabou o 12.º ano de Humanidades e ficou-se por aí. “Estou a ter experiências únicas que a escola nunca me iria dar”, assume, sem espinhas. A saber, já teve um programa na TVI, A Verdade de Cada Um, e apresentou algumas vezes o Curto Circuito, na SIC Radical. Além de ser um dos participantes no filme Ruas Rivais, atualmente nos cinemas. Debutou no YouTube nas férias grandes de 2011, para não ter o crivo dos colegas no dia seguinte. “Perguntei o que queriam ver. Ninguém me respondeu, claro. Mas ao terceiro vídeo a coisa explodiu e só me apercebi disso quando alguém das relações da minha mãe disse que me tinha visto.” O seu segredo está na ironia e no sarcasmo da linguagem e em alguns palavrões que não se inibe de usar. Hoje também faz tutoriais (uma espécie de manuais de instruções) de moda, patrocinados por marcas de roupa e de maquilhagem. A aventura já lhe rendeu mais de 82 mil subscritores (não pagantes) e oito milhões de visitas.
“Uma vez fomos a uma escola, o que fazemos com frequência, e quando uma miúda se apercebeu de que o Kiko não estava, desatou a chorar. Tivemos de pô-la ao telefone com ele”, conta Rute Moreira, 41 anos, coordenadora de conteúdos da NOS. Neste momento, há 11 youtubers que têm contrato com a versão jovem desta operadora (WTF) e que fazem vídeos regulares de promoção da marca. Foi nesse contexto que surgiu a ideia para o filme Ruas Rivais – um projeto de empreendedorismo com todas as letras. Reuniu um orçamento de 20 mil euros, deu o primeiro emprego a 20 pessoas e 80% da equipa tinha menos de 21 anos. E sem nunca ter ouvido falar dos youtubers, Vasco Aragão, conhecido empresário de organização de festas, abriu as portas da sua casa para deixar entrar toda a gente, durante 20 dias. Depois, emprestou-lhes os carros e os cavalos. E até a amiga Fafá de Belém, que estava a passar uns dias na sua luxuosa moradia, deu uma mãozinha. Vasco Aragão não se arrependeu: “Adorei apoiá-los. Nunca tinha visto tanta motivação e entusiasmo numa equipa. Era contagiante e já não sabia mais o que fazer para os ajudar. Foi uma experiência pessoal muito gratificante. Quando foram embora, até tive saudades.”
No filme também entram figuras consagradas, mas sem ganharem um cêntimo (os ordenados só serão pagos com as receitas de bilheteira): Rui Unas, João Manzarra, Salvador Martinha, Rui Pego e Fernando Alvim. “Aceitei participar porque me vi perante uma geração com uma personalidade muito vincada. Impressionou-me a coragem e a forma obstinada como ergueram o filme”, justifica Alvim, 41 anos, diretor, entre outras coisas, da Speaky Tv, alojada na net. “O YouTube”, diz, “significa um passo em frente na absoluta independência na criatividade e talento. Hoje, alguém com um verdadeiro dom é imparável.”
“‘Tou, mãe? Estou a fazer um vídeo para o YouTube. Tu agora é que me tens de fazer o jantar e lavas-me a roupa e isso tudo. Sim, fazes-me a cama também, porque eu agora faço vídeos para o YouTube, não preciso de fazer mais nada. Já subi de patamar (…)”, in Cenas + Ruas Rivais, 16 147 visualizações
Ruben Valle, 20 anos, não quer caber na definição de youtuber. Prefere a de ator e de estudante de cinema. Mas o certo é que fez uma longa-metragem, O Discípulo, com os seus companheiros do canal Lupper Tv, alojou-a no YouTube, e conseguiu que mais de 400 mil pessoas a vissem. Foi esse filme – com um orçamento a raiar o zero – que serviu de inspiração para Ruas Rivais, uma espécie de sequela da trama passada em Massamá, Sintra, que conta a história de um jovem vítima de bullying por parte de um gangue.
Quando escreveu o argumento, Ruben pensou logo em convidar alguns youtubers para os principais papéis, antes mesmo de os ter conhecido. E eles aceitaram de imediato. Nurb (Bruno Leça), 21 anos, foi um dos que alinhou neste projeto inovador. Com um estilo blasé, à Bruno Nogueira, este comediante improvisado já conseguiu 169 mil subscritores e é um dos mais bem sucedidos da plataforma. Foi requisitado pela rádio Mega Hits, pelos canais Q e SIC Radical, e até já entrou num sketch do “grande” Ricardo Araújo Pereira. Pedro Boucherie, 44 anos, diretor dos canais temáticos da SIC, explica a escolha de Nurb e de outros youtubers para apresentar o popular Curto Circuito: “Sentimos necessidade de revitalizar o programa, de ir buscar malta mais nova, que por norma não vê televisão. E com eles, os resultados foram muito bons. Alguns podem mesmo vir a ser apresentadores de TV.” No pequeno ecrã, porém, não se toleram excessos de linguagem, nem o “falar sobre o que lhes apetece”, como se estivessem na rua.
A toda a gente que lhe pede emprego na SIC Radical, Pedro Boucherie dá o mesmo conselho: “Abram um canal no YouTube.” E, acrescentamos nós, ponham os olhos no fenómeno humorístico brasileiro Porta dos Fundos, que vai finalmente saltar da net para a Fox.
“Alô! Vou cantar o Stay With Me, do Sam Smith, e vou deixar aí em baixo os links para o meu Facebook, Twitter e Instagram, se me quiserem seguir. E espero que gostem. Bye”, in Stay with Me-Sam Smith-Cover, 25 384 visualizações
Paulo Sousa, 23 anos, não quer ser apresentador de TV, mas seguiu a dica de Pedro Boucherie. “Sempre gostei de cantar e encontrei no YouTube uma plataforma para testar o meu talento”, diz este jovem de Coimbra, a acabar o mestrado em Educação Pré-Escolar e 1.° Ciclo do Básico, e a fazer covers desde 2008. Paulo também já percebeu que está tudo ligado e que uma estrela virtual tem de se expandir para outras redes sociais, de maneira a aproximar-se dos fãs. Aliás, muitos dos seus vídeos são de temas que os seguidores lhe pedem para gravar. “É uma estratégia aliada ao prazer. Nunca cantei nada de que não gostasse”, garante. Entretanto, deu cerca de 300 concertos, participou no programa Fator X, na SIC, e ganhou perto de dois mil euros com publicidade nos seus conteúdos. Não é por acaso que se sente na obrigação de publicar, pelo menos, uma música nova por mês.
Nelson Zagalo, 40 anos, professor de Tecnologias da Comunicação na Universidade do Minho e especialista em redes sociais, está atento ao fenómeno e sabe que uma das mais-valias do YouTube é a possibilidade de “conexão imediata com o produtor de conteúdos, através das caixas de comentários”. E isso gera uma estrutura de grupo, que a televisão não consegue alcançar. Os adolescentes – principais consumidores destes vídeos – apreciam sobretudo a autenticidade, o facto de não haver filtragem nem diretor de programas. São os fãs que escolhem o que querem ver e constroem a sua grelha de conteúdos. Por detrás desta idílica liberdade há um senão: “Alguns podem transformar-se numa mina de ouro, mas são muito mais frágeis do que uma estrela de televisão ou cinema, pois não têm a apoiá-los uma máquina que vai limando arestas e eliminando erros”, alerta Nelson Zagalo.
“Estou aqui a fazer um vídeo um pouco diferente dos outros. Hoje é sexta-feira e fui sair com umas amigas. E a verdade é que são duas e meia da manhã e já estou em casa. Nós éramos cinco e ficámos uma hora à espera (…)” , in Fui Barrada, 95 436 visualizações
Soraia Carrega, 21 anos, vulgo Djubsu, que acabou agora o 12.º ano, diz ter sido barrada numa discoteca lisboeta por causa do seu cabelo afro. “Não planeei este vídeo nem estava à espera de tanto buzz”, conta. “Quando acordei no dia seguinte, a minha cara estava em todo o lado!” Valeu-lhe a popularidade que nunca mais perdeu e que a levou até uma parceria com o YouTube. Por norma, os youtubers não gostam de falar do que ganham, mas lá confessam que o que auferem com os vídeos dá para pagarem as contas e não morrerem à fome. O certo é que, por cá, as cifras ficam, claro, a léguas das equivalentes verbas norte-americanas. Nos EUA, uma sondagem recente feita pela revista Variety a 1 500 adolescentes, com idades entre os 13 e os 17 anos, revelou que eles se sentem muito mais próximos das estrelas do YouTube, que consideram mais autênticas, do que de celebridades do cinema ou da TV. No top cinco não entrou nenhum nome do círculo mainstream.
É possível encontrar canais sobre tudo e sobre nada, desde aulas de Matemática a tutoriais de beleza ou lições para aprender a tocar instrumentos. Mas os gamers, como um sueco conhecido no meio por PewDiePie, são um dos setores com mais êxito. Ricardo Esteves, 20 anos, cabe nesse cognome – jovens que se filmam a jogar, enquanto comentam o que vai acontecendo em tempo real. Faz também análises e comparações, especialmente dos jogos que uma marca lhe envia, para que discorra sobre eles. Os seguidores não se zangam com o patrocínio. “Não é intrusivo e essas empresas ajudam o meu canal, porque o alimentam com material novo”, assegura. Não recebe por isso qualquer pagamento, mas a parceria que estabeleceu com o YouTube já lhe permitiu deixar os estudos em banho-maria e viver quase exclusivamente dos seus vídeos (também é designer freelancer). Por cada cem mil visualizações monitorizadas, ganha cerca de 100 euros. Sai-lhe do pelo, pois publica quase diariamente, num registo deixa-andar. “Ligo o microfone e as coisas fluem naturalmente. Vou jogando e comentando.” A edição limita-se a cortes e a adicionar músicas de fundo. Com o dinheiro que já ganhou, comprou um bom microfone, cabos de ligação e um computador melhor.
“Eh pá, portanto, eu acho que sou um jovem, não é? Pelo menos é o que me têm dito, que é uma beca estúpido, que vai tentar ter uma pessoa que se ria dele naquilo a que chamam a internet…”, in MyNameIsNotNurb, 13 087 visualizações
Há 27 144 seguidores que querem ver e ouvir as gravações non sense que Tomás Nunes, 18 anos, coloca no seu canal Im The Pakistan Man (como a transcrita). Os amigos abreviam-no para Paki e ele anda sempre com um chapéu de abas largas enterrado na cabeça, a cair em cima de um piercing fluorescente na orelha esquerda. A viver em Setúbal, está a acabar o 12.º ano, enquanto faz “vídeos à toa”, sem rede ou edição. Não tem uma razão para os seus vlogues – “se me lembrar de uma coisa, ligo a câmara e digo o que me vem à cabeça, sempre em tom cómico”.
O potencial planetário de audiência de parvoíces debitadas em frente de uma câmara é de mil milhões de novos utilizadores ao mês, no portal dos youtubers. Mas a concorrência é feroz, pois a cada minuto descarregam-se para lá cerca de cem horas de vídeo.
Maria Ferreras, diretora de parcerias do YouTube para a Europa do Sul, crê que este fenómeno ainda tem muito para dar em Portugal. Pelo que tem observado noutros países, “uns criadores levam a que outros percam a vergonha e expressem o seu talento com autenticidade”. Mas, avisa Miguel Sabino, 40 anos, fundador da rede de canais Thumb Media, nem todos podem sonhar com um “dom inato”. Muitos – a maioria – só lá chegam depois de aprenderem os truques certos.
Sete erros a evitar…
…se a ideia é conquistar uma boa audiência
Não ser regular a publicar conteúdos.
Desprezar o que os fãs escrevem nos comentários.
Escolher um mau título ou uma fraca foto para a capa dos vídeos.
Escrever uma descrição que não corresponde ao conteúdo.
Não ser autêntico.
Esquecer-se de alimentar as outras redes sociais.
Arrancar mal num vídeo ou não manter um nível de cadência.
À caça de ‘génios’
O YouTube é uma espécie de big brother que persegue os mais populares e lhes propõe negócio
Assim que um canal se torna popular, o seu criador recebe uma mensagem automática do YouTube a desafiá-lo para ser seu parceiro e rentabilizar os conteúdos. Então, há dois caminhos a seguir: firmar um contrato online direto com a plataforma de vídeos ou optar por pedir auxílio a uma empresa que conheça bem o meio (ver caixa ‘SOS português’). Ao estabelecer-se esta parceria, os criadores autorizam que os anunciantes estejam no seu canal, sem que possam eleger qual o produto a aparecer em determinado vídeo. Aos youtubers só se permite que decidam qual o formato do anúncio dentro da sua página (se surge ao lado, ao fundo, no início de transmissão…). O preço da publicidade varia consoante a audiência do canal, mas anda à volta de dois dólares (€1,4) por cada mil visualizações. Ainda não dá para enriquecer, mas ajuda nos gastos.SOS português – Já existe consultadoria especializada
Desde maio que os youtubers nacionais se podem apoiar na network Thumb Media – nasceu, como as outras empresas internacionais do género, para ajudá-los a potenciar os canais. O humorista Rui Unas, que tem uma presença fortíssima no YouTube, com mais de cem mil subscritores, foi um dos primeiros a aderir àquela rede portuguesa, que conta agora com mais de 80 canais no cardápio. Antes de aceitar um cliente, Miguel Sabino, fundador da Thumb Media, verifica se os conteúdos são bons e assíduos. Depois, dá todas as dicas para que o vídeo apareça numa busca no Google, desde a escolha do título às tags. Também aconselha um olhar atento às estatísticas do YouTube, para detetar os pontos quentes (ou frios) da gravação.
“Ainda não temos condições para auxiliar nas questões técnicas, mas no futuro contamos disponibilizar um estúdio para gravações à semelhança do que já se faz no estrangeiro”, diz Miguel Sabino.
Na Thumb Media, porém, já é possível proteger a propriedade intelectual, evitando, por exemplo, que alguém vá roubar, para o seu canal, um vídeo com muitos hits, e arrecade para si os louros alheios (e o dinheiro se for caso disso). No final das contas, 70% da receita líquida gerada pela publicidade no canal fica no bolso do criador, e o restante vai para a Thumb Media. Não parece injusto.