Trabalho Vencedor
Os vencedores da iniciativa Agora o Escritor És Tu! continuaram o livro “A inaudita guerra da avenida Gago Coutinho”, fizeram perguntas muito giras ao escritor Mário de Carvalho.
O Futurossado1
Estava um dia calmo em todos os sítios do Planeta. Era dia quinze de agosto de 3505. Na recém-inaugurada cidade Tejopolis, construída sobre as águas do Tejo, fazia muito sol. Esta era uma cidade-modelo, muito bonita, avançada e futurista. Também era a única em que havia carros voadores, casas perfeitas e pessoas gentilíssimas. Lá, toda a gente se conhecia.
A vida decorria normalmente quando um ruído estrondoso e quase infinito se levou no ar. O chão tremia violentamente e os carros faziam barulhos irritantes. Era como se fosse um terramoto, mas muito mais violento. O que se estaria a passar?
Era a musa Clio que adormecera de novo. Desta vez, entrelaçou o fio do futuro muito distante com o do passado pré-histórico. De repente, Tejopolis foi invadida por centenas de homens vestidos com peles de animais mortos e agitando os braços com ossos na mão. Acompanhavam-nos muitos mamutes gigantes que corriam de um lado para o outro, tornando a cidade num caos total. Os horrendos homens do passado ficaram admirados com o que viam, mas, em vez de ficarem quietos, começaram a partir tudo o que lhes aparecia à frente, com raiva. Os habitantes, que regressavam a suas casas depois de um agradável dia de trabalho, entraram em pânico, tentando proteger os seus bens e a sua bela cidade.
As autoridades responsáveis pela segurança chamaram a Polícia Futurista (PF) através dos seus minimóveis de última geração e o alarme geral soou. Para além dos polícias, que se dirigiram rapidamente para o centro da cidade, equipados com as suas armas superpoderosas e ultraeficazes, também foram destacados os geniais cientistas que idealizaram e monitorizaram a construção desta ultramoderna cidade. Quando chegaram à Avenida, ficaram boquiabertos com o que se estava a passar: centenas de homens pré-históricos e mamutes combatiam entre si e destruíam tudo o que existia. Os habitantes refugiaram-se em pontes elevadas, passadiços e árvores móveis. Ficaram aliviados quando viram os PF; contudo, a apreensão voltou porque os polícias não conseguiam dominar os pré-históricos, que ficaram mais violentos, obrigando-os a fugir nas suas motas voadoras.
Zangado com a atuação dos seus homens, o poderoso cientista e chefe dos PF decidiu usar uma arma sonora: tratava-se de um alarme que obrigava todos os habitantes da cidade a colocar nos ouvidos um aparelho minúsculo; e, passados cinco minutos, voltou a tocar um alarme que provocava dores de ouvidos e de cabeça horríveis. Desta vez, os pré-históricos não resistiram e deitaram-se no chão, fazendo sinais gestuais que indicavam desistência.
Todavia, esta vitória não resolveu o problema, porque a cidade continuava invadida por centenas de “macacos”, deitados no chão a rebolar com as mãos nos ouvidos. Um dos cientistas pediu que lhe trouxessem um dos homens ao seu laboratório: queria saber quem eram, o que faziam ali, por que brigavam entre si e destruíam tudo. Fotografou-o, radiografou-o e colocou a informação no seu potentíssimo computador. Passados uns minutos, o computador remeteu os dados para o arquivo de História, confirmando aquilo de que o cientista já desconfiara: tratava-se de homens pré-históricos que lutavam entre si há milénios. Então, numa reunião de emergência convocada pelos seus superiores, considerou duas hipóteses: ou algum cientista terrorista inventara uma máquina do tempo e, como vingança, transportara os pré-históricos para Tejopolis, ou um povo inimigo imitara estes pré-históricos com o objetivo de invadir e destruir a cidade.
O chefe dos PF preparava-se para discursar, quando a musa Clio, finalmente, acordou. Apercebendo-se da troca dos fios, ficou preocupada por mais este grave deslize. Então, desenrolou-os e fez com que os pré-históricos voltassem ao seu tempo, tendo, mais uma vez, recorrido a borrifos da água do rio Letes para que estes esquecessem tudo o que se passara.
Os homens do passado ficaram muito aliviados por deixarem de ouvir aquele som horrível e pararam de lutar uns com os outros, tornando-se amigos e sedentários: dividiram as terras, construíram cabanas, cultivaram os campos, domesticaram animais. De vez em quando, havia confusão entre eles, mas a vida tornou-se muito mais pacífica.
Quanto aos cientistas de Tejopolis, que não admitiam falhas no seu sistema de segurança, sofreram um trauma e ficaram a agir como homens pré-históricos durante dois meses. Foram internados em hospitais ultramodernos e só se conseguiram curar graças a Clio, que, sentindo a consciência pesada, os borrifou com as sulfurosas águas termais das Caldas da Rainha.
1- Neologismo que resulta da amálgama das palavras futuro e passado.