TRABALHO VENCEDOR
Continuação da história do livro “Leandro, Rei da Helíria” de Alice Vieira para o concurso “Agora o escritor és tu” da Revista Visão Júnior.
3º ATO
Cena l
Rei e Bobo
(No salão do grande palácio de Violeta, passados muitos anos.)
REI: Então, meu fiel bobo, ainda te lembras do que passámos, naquele inferno, daquela estrada sem fim, vestindo farrapos, desgastados… (suspirando) Maus tempos!
BOBO: Pois… (imitando a voz do rei) “Maus tempos”, cheios de asneiras e decisões despropositadas…
REI: Zombas de mim?
BOBO (ironicamente): Nunca, meu senhor.
Rei: Meu pobre tonto.
Bobo: Sou tonto, mas salvei-te o coirato. Coirato tostadinho com uma pitadinha de sal, nem te digo nem te conto.
REI: Cala-te!
BOBO: Já não está aqui quem falou!
REI: É verdade que aprendi uma grande lição.
BOBO: Não me digas!
REI: As coisas mais insignificantes, às vezes, são as mais importantes.
BOBO: Concordo, mas já devias ter pensado nisso, quando expulsaste a tua filha Violeta de Helíria.
REI: Não me lembres disso!
BOBO: Tens razão. Agora devias pensar só no herdeiro de toda a riqueza.
(O rei fica pensativo.)
Cena II
Reginaldo e Violeta
REGINALDO: Minha querida Violeta, quando pensas anunciar ao nosso povo a grande novidade.
VIOLETA: Ó meu amado, hoje resolverei esse assunto e, de certeza, que todo o nosso reino se alegrará com a notícia.
REG: Tens razão. O nosso adorado filho, herdeiro das nossas riquezas, do nosso amor.
VIOL: Eu própria o irei anunciar ao meu querido pai. Sabes, gostaria de voltar a encontrar as minhas irmãs…
(Reginaldo, admirado, sai.)
4º ATO
Cena I
Hortênsia, Amarílis, Simplício e Felizardo
AMARÍLIS: Maninha, nem sabes as novidades…
HORTÊNSIA: Nem quero saber. O que me preocupa é que, desde que o pai se foi embora, estas terras já não são o que eram; o nosso dinheiro já não é o mesmo. Temos de arranjar um plano para conseguirmos recuperar a nossa vida de sonho.
AM: Esquece lá esse pormenor insignificante e ouve o que eu tenho para te dizer.
HORT (aborrecida): Diz lá, e depois não me voltes a chatear.
AM: Lembras-te da nossa irmã, a Violeta, a do sal? Imagina… está grávida. Conclusão, essa criaturazinha que vai nascer, vai ficar com tudo.
HORT: Temos de fazer alguma coisa. Mesmo que o filho seja varão, até este assumir o reinado, ainda existem uns aninhos pela frente, durante os quais será Violeta a senhora de todo o poder.
AM: Temos que recorrer à nossa arma mais perigosa.
HORT (intrigada): O quê, maninha?
AM: És mesmo tapada. Não é óbvio? Chantagem, querida!
HORT: Não me digas que vais usar o teu marido. O meu é que não usas … tão limitado, sabes, ele é um homem de poucas palavras.
AM: Lógico!
(Felizardo interrompe a conversa)
FELIZARDO: Claro que sou a pessoa ideal. Com licença (retira do bolso um rolo enorme de papel que lê)… 256 bois, 256 vacas, 8000 galinhas… Não parece mau negócio, ó sócio.
SIMPLÍCIO: Tiraste-me as palavras da boca!
AM: Temos que planear muito bem a coisa.
Cena II
Violeta, Reginaldo, Rei, Bobo e criados.
VIOLETA: Meus entes queridos, queria anunciar-vos a boa nova. O nascimento do futuro rei, herdeiro da riqueza e do amor de todos nós. Nascerá Jacinto (para os criados) podem, portanto, começar a plantar jacintos no nosso jardim.
REI: Salvé, Jacinto, que viva por longos anos de felicidade e amor.
BOBO: Que não faça as mesmas asneiras do avô.
REI: Cala-te, bobo tonto.
BOBO: Pronto, já estou calado. (Para a assistência.) Mas eu tenho razão. Este aqui ainda tem a mania que manda, que ainda é rei!
REI: Vais já para o pelourinho!
BOBO: Como se aqui houvesse pelourinho, eh eh…
VIOL (interrompendo): Por favor, não comecem. O motivo pelo qual vos chamei é muito mais importante. Há uma nova vida a nascer e com ela novas esperanças e alegrias para um futuro recheado de justiça e paz.
REI: Amarei o meu futuro neto “como a comida quer o sal”.
BOBO: Onde é que eu já ouvi isto? Macaquinho de imitação!
REI: Estou velho e doente, eu sei, porém tenho estado a refletir e lembrei-me (já que os deuses me abandonaram) que Cristo, falando com os pregadores, já dizia: “Vós sois o sal da terra”.
BOBO: Queres ver que agora também em vez de pimenta na língua, vais passar a pôr-me sal?!
REI: O “sal” representa a palavra de Deus e “terra” significa os Homens que habitam na terra. Isto revela que o efeito do sal é também preservar o bem e impedir a corrupção.
BOBO: Então, o melhor é subirmos ao cimo da torre do castelo e, durante as festas da corte, lançarmos uns bons quilos de sal e borrifarmos a população. Assim fica tudo “salificado”, quer dizer, purificado.
VIOL: Não é assim tão simples, o conceito é metafórico. Pretende-se que as pessoas valorizem o bem e detestem o mal, tal como Beatriz demonstrou a Dante, quando o guiou pelo Céu e Inferno, para que ele, através da sua obra, “A Divina Comédia”, passasse esse ensinamento.
BOBO: As coisas que vós sabeis! Isso já é sal a mais para a minha camioneta.
VIOL: O sal é igualmente símbolo de brancura, ora o branco é paz …
REI (interrompendo): … e transparência de carácter como tu, minha filha, o meu verdadeiro cristal, a quem não soube valorizar!
BOBO: Chega de lamechices! Esta novidade não merece antes um belo banquete? Ai, o javali assado da Briolanja. (Para o rei com ironia) Agora, que estás cego, o que dizem os teus olhos?
REI: Dizem que para além de seres um grande atrevido, a caminho deste reino, felizmente, virá um herdeiro inocente e íntegro como a mãe. É isto que se espera de um verdadeiro governante!
TODOS (em coro): Aleluia! Aleluia!