Pessoas de todo o País têm mostrado a sua indignação nas redes sociais com as podas excessivas nas cidades, partilhando fotografias de árvores mutiladas. Na página de Facebook Plataforma em Defesa das Árvores, as publicações são quase diárias. Uma petição pela regulamentação da gestão do arvoredo urbano, com mais de mil assinaturas, avançou em março do ano passado, e os seus autores foram ouvidos na Comissão do Ambiente do Parlamento há duas semanas. Nela constavam, entre outras coisas, o pedido de reconhecimento da profissão de arboricultor e a adoção de um documento de referência de “Boas Práticas de Gestão do Sistema Arbóreo Urbano”.
Para Rosa Casimiro, da Plataforma em Defesa das Árvores, apesar desta crescente consciencialização, ainda “existe em Portugal uma profunda falta de conhecimento, e até de amor, pelas árvores. Uma “insensibilidade” que está na origem das podas excessivas e mal feitas, deixando as árvores “completamente amputadas”.
O PAN, entretanto, apresentou também um projeto-lei, para regulamentar a profissão de arborista (técnico habilitado a intervir nas árvores), para que as podas e os abates sejam feitas com critérios mais apertados. Esta iniciativa legislativa, apresentada a 9 de março pelos deputados do PAN, vai a plenário em breve. André Silva, líder do partido, acredita que será aprovada, e publicada em Diário da República “algures entre julho e setembro”, diz, à VISÃO.
Atualmente, há municípios, como o de Lisboa, com um regulamento para a gestão do arvoredo urbano. Há também legislação para as árvores protegidas, com especial relevância botânica. Mas não existe uma lei que abranja todas as árvores em todo o território nacional. A manutenção das árvores em meio urbano é gerida pelas autarquias, que nem sempre têm técnicos especializados, o que leva a manutenções mal executadas, pondo em causa a saúde das árvores.
Podas drásticas
Uma árvore saudável deve ter uma relação equilibrada entre a quantidade de folhas e a sua dimensão total, para garantir um crescimento normal. A poda não pode eliminar por completo a copa, nem cortar os ramos indiscriminadamente. Quem a faz tem de estar devidamente qualificado, precisa de conhecer técnicas, instrumentos e medidas de segurança.
As consequências da poda drástica podem ser fatais para uma árvore. Paula Nunes da Silva, presidente da Quercus, explica que, “quanto maior for o corte, mais energia é necessária à planta para cicatrizar”. “Não nos podemos esquecer que a planta é um ser vivo. Os cortes muitas vezes são mal feitos e isso leva a más cicatrizações, a planta pode até nunca recuperar. Depois, essas zonas levam à podridão, à entrada de fungos, à entrada de patogénicos, o que leva a uma morte mais rápida da planta. Para mais, tem um impacto visual muito forte.”
A solução para os “não-benefícios”
Muitas vezes, as árvores são podadas devido a queixas de cidadãos, porque as árvores lhes tiram a vista ou sujam as ruas com as folhas que caem. André Silva lembra também a questão das raízes, que muitas vezes provocam “danos dentro dos edifícios, especialmente de quem mora num rés-do-chão ou numa vivenda”, bem como “alterações do asfalto, no pavimento, nas estradas”.
Para “mitigar ou evitar alguns conflitos que a plantação das árvores pode gerar”, acrescenta o deputado, é essencial fazer a escolha adequada do espécime que vai ser plantado num determinado local, deve ser tido em conta aquilo que são as características do edificado e as características da rua”. “Uma árvore que seja plantada muito perto das casas tem de ser uma árvore que cresça muita mais em altura do que em largura, para não termos ramos a entrar pela casa das pessoas”, exemplifica.
Paula Nunes da Silva é da mesma opinião. Acha que os “não-benefícios das árvores” são ultrapassados por um bom planeamento urbano e uma adequação das espécies. “Há questões de segurança que devem ser calculadas, não haja dúvida, mas há casos escandalosos. E depois do corte não há como voltar atrás.”
Ferir para abater
Muitas autarquias portuguesas “entendem que a gestão do arvoredo é podar todos os anos, cortando tudo o que a árvore cresceu durante o ano”, acusa a presidente da Quercus. Mas a poda, lembra, é uma atividade que serve para satisfazer as necessidades humanas e não as das árvores, que sobrevivem sem este tipo de intervenção.
Os cortes que as árvores sofrem podem levar a que as suas vidas sejam encurtadas – e quando uma árvore morre, tem de ser abatida. Paula Nunes da Silva garante que muitas vezes as autarquias fazem estes cortes para depois terem a desculpa para mandar abaixo a árvores. “É o que acontece: cortam-se porque a população não gosta delas.”
A questão dos custos também é relevante para as autarquias. É necessária a contratação de empresas e arboricultores, a acrescentar ao tempo que tem de se despender com a monitorização. É mais fácil cortar logo. “Eu compreendo certos governantes, porque se cai um ramo num carro ou uma pessoa morre, isso é extremamente grave, mas por isso é que tem de haver monitorização por parte dos técnicos”, diz Paula Nunes da Silva.
A legislação pode vir a resolver muitos destes problemas, mas ainda é necessária uma educação para que as pessoas entendam a importância das árvores para a nossa qualidade de vida e sustentabilidade. “Tem de haver uma sensibilidade cultural, porque muitas pessoas acham que as plantas são para cortar a acabou. É importante legislar, mas também sensibilizar”.
Rosa Casimiro, da Plataforma em Defesa das Árvores, diz que há que começar pelas crianças. “Devíamos aprender desde pequeninos o que são as árvores, a sua importância. Aprender botânica de uma maneira mais empírica, mais de contacto”.