Hoje celebra-se o Dia Mundial do Saneamento para Todos, que remete para a consciencialização sobre as mais de 4 mil milhões de pessoas que vivem sem acesso a um sistema de saneamento básico seguro. O saneamento é um serviço básico essencial para a Saúde Pública e para o desenvolvimento económico. Evita que contactemos com tantos vírus e doenças, além de assegurar o fornecimento de água potável à população de um país.
Cada vez mais, o saneamento tem também “tudo a ver com sustentabilidade e com os novos paradigmas da economia circular”, defende Alexandra Serra, engenheira e presidente da Águas do Tejo Atlântico, que tem por missão gerir o sistema de saneamento de águas residuais da Grande Lisboa e Oeste.
Com serviços de saneamento a cobrirem mais de 80% da população, Portugal é, nas palavras da engenheira, “um caso inspirador, reconhecido internacionalmente como um exemplo a seguir”.
Chegar a este ponto não aconteceu “de um dia para o outro”, assegura Alexandra Serra, que refere a soma de várias conquistas, ao longo dos últimos 25 anos, desde a criação de um grupo empresarial público para resolver os problemas existentes, passando por parcerias “muito profícuas” entre o Estado e o poder local, investimentos avultados, com apoio dos fundos comunitários, no saneamento e abastecimento de água e a criação de equipas muito especializadas.
Se, há 25 anos, “50% da água potável não tinha a qualidade controlada”, não íamos tomar banho à praia de Carcavelos e não havia golfinhos no Tejo, hoje o cenário é muito diferente. Quem se lembra ainda da época em que ir ao Algarve e beber água da torneira não passava pela cabeça de ninguém? Agora, a água que é distribuída no Algarve é de excelente qualidade, assegura Alexandra Serra. “Infelizmente ainda vemos muita gente, quando está la de férias, a comprar água engarrafada nos supermercados, ainda que não seja necessário” e ecologicamente pouco sustentável.
A engenheira revela ainda que, uma vez que água potável de qualidade e saneamento básico são dois fatores essenciais para a Saúde Pública, o Grupo Águas de Portugal está também a estabelecer parcerias com a Direção Geral da Saúde. Exemplo disso é o projeto Covid Detect que, desde 2020, ajuda a DGS através de um sistema de deteção de carga viral nas aguas residuais.
Águas diferentes para fins diferentes
Gerir o saneamento de forma eficaz passa, hoje, por usar a água diferente para coisas diferentes, consoante a qualidade que esta tem. “Não faz muito sentido usar a água potável que bebemos e com a qual cozinhamos para regar jardins ou lavar as ruas. É um contrassenso ambiental”, afirma Alexandra Serra.
Por esta razão, a Águas do Tejo Atlântico está a preparar a transformação das mais de 100 estações de tratamento de águas residuais (ETAR) que possui, em “fabricas de água”. Aqui serão produzidos tipos diferentes de água, consonante o uso para o qual cada um deles se destine.
“Para regar um jardim, com crianças a brincar e pessoas que levam animais a passear, precisamos de um tipo de água compatível com a segurança de quem frequenta esse jardim. Vai ser uma qualidade diferente daquela necessária para lavar estradas”. O objetivo é criar um equilíbrio entre o tratamento da água e o seu fim.
Mas o uso sustentável da água não fica por aqui e Alexandra Serra dá alguns exemplos. “O IKEA de Loures compra água reutilizada à Águas do Tejo Atlântico para os sistemas de climatização ”. Outros exemplos interessantes são a ETAR de Alcântara que, no futuro, regará toda a frente de ribeirinha, de Alcântara a Algés, e a ETAR de Beirolas, junto à Ponte Vasco da Gama, equipada com uma linha de ultra filtração, uma etapa adicional de tratamento que permite tratar a água residual a um nível ainda mais seguro. “Esta água vai ser usada para regar todos os espaços verdes do Parque das Nações.
Como se faz água “reciclada”?
“É muito fácil, obviamente tendo por trás muita tecnologia, pessoas e anos de investigação”, afirma Alexandra Serra. Quando abrimos a torneira ou puxamos o autoclismo, a água sai e é encaminhada por uma sistema de tubagens até às estações de tratamento.
Depois, há uma serie de processos que retém as lamas e os materiais em suspensão, retiram a gordura da água e desinfetam-na com lâmpadas ultra-violetas ou com processo físico-químicos. Consoante a massa de água para a qual a água tratada será descarregada, há ainda níveis diferentes de qualidade exigidos.
Alexandra Serra explica também que o esgoto “é uma matéria-prima valiosa” que pode ser transformada em vários produtos como lamas ou energia. Nas fábricas da Águas do Tejo Atlântico há um digestor que produz bio-gás a partir das lamas, transformando-o em energia elétrica, que serve não só para alimentar as fabricas como para ser vendida.
“A ETAR da Guia, em Cascais, está praticamente a atingir a autossuficiência graças a esta técnica. O nosso sonho é que num futuro próximo as nossas fábricas não só não precisem de comprar energia à rede como possam vendê-la”. É a lógica da economia circular.
A descarbonização também é um dos grandes objetivos e, nesta medida, a empresa Douro Gás instalou na ETAR de Frielas um equipamento para purificar bio-gás e fazer biocombustível. “No futuro queremos usá-lo para alimentar toda a nossa frota”.
Outra vertente com a qual a Águas do Tejo Atlântico se tem comprometido é a valorização agrícola, através da criação do programa bio-lamas, que reencaminha as quase 400 toneladas diárias de lamas retiradas do esgoto para a fertilização agrícola.
O que não podemos deitar para o esgoto?
Pôr no lixo aquilo que é do lixo, é o apelo deixado por Alexandra Serra. Comida, óleo, gorduras, fraldas e plásticos prejudicam, e muito, o funcionamento das fábricas de água. Por exemplo, os plásticos acabam por entrar nos processos de tratamento, permanecendo micro-partículas na água tratada. No caso do óleo, um litro contamina um milhão de litros de água, devendo evitar-se a todo o custo deitá-lo para o ralo do lava-loiça ou para a retrete.
Quanto a medicamentos e antibióticos, universidades e centros de investigação estão a investigar de que forma é que as fábricas de água podem lidar e controlar a propagação destes fármacos, “que podem ter impactos a nível da Saúde Pública, a longo prazo”.
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