Winter is coming é o alerta permanente que atravessa a série “A Guerra dos Tronos”. À medida que as suas diversas temporadas se vão desenrolando, instala-se cada vez mais nas personagens a convicção de que estará iminente um inverno brutal, severo, destruidor.
Nesta rentrée algo agitada, são também cada vez mais as vozes que alertam para o próximo inverno. Guerra na Europa, inflação, taxas de juro, fenómenos climáticos extremos, uma pandemia que se arrasta e crises políticas em diversas regiões, não faltam nuvens ameaçadoras no horizonte. Ainda por cima, a estas ameaças mais imediatas, acresce a convicção crescente de que se não formos bem-sucedidos na concretização das metas sociais e ambientais do Acordo de Paris, do Pacto Ecológico Europeu e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas, o futuro será pior do que o presente.
O presidente Macron já tinha alertado para o “fim da abundância”. Os estilos de vida e modelos de desenvolvimento que emergiram há duzentos anos com a Revolução Industrial – assentes em combustíveis fósseis e em elevados níveis de produção, consumo e desperdício – têm os dias contados. Ou isso ou o planeta e a Humanidade entrarão num declínio progressivo inexorável. Neste novo contexto de escassez e frugalidade, colocam-se algumas questões. Por exemplo: A quantas pessoas conseguirá o planeta proporcionar uma vida longa, saudável e afluente? Será viável uma economia verde assente no crescimento contínuo? E estarão os atuais líderes disponíveis para discursos realistas e nós todos para mudanças algo drásticas de estilos de vida?
Neste momento, a nossa esperança na transição para a sustentabilidade social e ambiental assenta sobretudo num conjunto de acordos e metas nacionais, europeus e internacionais, com horizonte 2030 e 2050. Infelizmente, não basta. As metas e os planos são importantes mapas de apoio à navegação, mas será necessário assegurar também a motivação para a viagem e a construção dos barcos.
No caso de Portugal, há neste momento estabilidade política, bons referenciais 2030 e 2050, e um cheque generoso, proveniente da União Europeia. Porém, não basta. Os referenciais que temos precisam de ser complementados – a montante – por um propósito e um imaginário coletivos e – a jusante – por coragem e pragmatismo na ação.
A economista Mariana Mazzucato propõe a abordagem man on the moon, programa através do qual John F. Kennedy conseguiu impulsionar o desenvolvimento científico e económico dos EUA, bem como mobilizar e elevar a autoestima da sociedade americana. O objetivo da ida à lua serviu de propósito coletivo, inspirador e mobilizador. Para Mazzucato, a transição para o paradigma da sustentabilidade pede propósito, isto é, mission economy.
Também nesta linha, o ambientalista Rob Hopkins, em “From What Is to What If: Unleashing the Power of Imagination to Create the Future We Want” (2019), defende a importância da imaginação coletiva para a mudança. Ou seja, para que os propósitos coletivos sejam mobilizadores, é importante passarmos pela experiência de os “ver”, de ajudar a desenhá-los, já que as emoções são um poderoso dínamo para a mudança.
Em Portugal, depois da fase de construção de referenciais, está quase tudo por fazer. Por exemplo, a transição energética e o desafio do mar precisam de ser propósito e imaginário coletivos, bem como de medidas concretas. Seria, também, importante que as compras públicas adotassem abordagens com propósito, isto é, que incluíssem critérios ESG (os dados do Tribunal de Contas apontam para que a expressão económica dos contratos públicos ronde os 15% do PIB). E, já agora, no que toca a processos, o “Simplex ambiental” – que esteve recentemente em consulta pública – não deveria ter como tónica principal a qualificação da administração pública, em vez da displicência processual, que poderá constituir um retrocesso de décadas?
Se aos planos e compromissos que já temos juntarmos o poder do propósito, da imaginação coletiva e da determinação na ação, não há inverno que não acabe, nem futuro que nos escape.