O que têm em comum a roupa sintética, maquilhagem, champô, perfume, brinquedos e recipientes para armazenar comida? A presença de um químico responsável por consequências graves para a saúde humana e milhares de mortes prematuras por ano. São os ftalatos: um grupo de compostos químicos derivados do ácido ftálico, utilizados como aditivo para tornar o plástico mais maleável.
Já sa sabia que os ftalatos eram nocivos para a saúde. Mas, agora, uma nova investigação, publicada recentemente na revista científica Environmental Pollution, estima que os ftalatos sejam responsáveis por causar a morte prematura a 91 mil a 107 mil adultos entre os 55 e os 64 anos por ano, nos EUA. Transpondo para a realidade portuguesa, tendo em conta as diferenças populacionais, isto significaria que os ftalatos matam 2 750 a 3 240 pessoas por ano em Portugal.
“Este estudo contribui para a crescente base de dados sobre o impacto do plástico no corpo humano e reforça a necessidade de reduzir ou eliminar o uso de plástico por razões de saúde pública”, afirma Leonardo Trasande, autor principal do estudo e professor de pediatria, medicina ambiental e saúde populacional na NYU Langone Health, em Nova Iorque.
Os ftalatos são considerados cancerígenos, além de interferirem com o sistema endócrino, responsável pela produção de hormonas no corpo humano. De acordo com o National Institute of Environmental Health Sciences, estão associados a “problemas de desenvolvimento, reprodução, cérebro e imunidade, entre outros”. Os ftalatos podem também afetar a reprodução e fertilidade e causar malformações genitais nos recém-nascidos, e níveis mais baixos de testosterona e de espermatozoides em homens adultos. Também estão ligados à obesidade infantil, asma e problemas cardiovasculares.
O estudo em questão mediu a concentração de ftalatos na urina de mais de 5 mil adultos com idades entre os 55 e os 64 anos. Depois de tidos em conta fatores pré-existentes como doenças cardiovasculares, diabetes ou cancro, e também a massa corporal, hábitos alimentares e de atividade física, os cientistas relacionaram a concentração de ftalatos com o risco de morte prematura num período médio de dez anos.
Leonardo Trasande alerta, no entanto, que o estudo não é definitivo, e apenas pode mostrar uma associação, uma vez que, para saber exatamente como os ftalatos interferem com a nossa saúde, seria necessário um ensaio clínico aleatório muito rigoroso, e “eticamente, não podemos distribuir aleatoriamente as pessoas em grupos para serem expostas a produtos químicos potencialmente tóxicos”, diz o investigador. “Mas já sabemos que os ftalatos interferem com a hormona sexual masculina, a testosterona, e que é um preditor de doenças cardiovasculares na idade adulta. E já sabemos que estas exposições podem contribuir para múltiplas condições associadas à mortalidade, tais como obesidade e diabetes”, continua.
Um outro estudo, publicado recentemente na revista científica Human Reproduction, apresentou conclusões igualmente preocupantes: os cientistas acompanharam 105 mulheres que estavam a fazer tratamentos de fertilização in vitro no Centro Médico de Sheba, em Israel. Ao analisarem os folículos que revestem o óvulo quando este se encontra nos ovários, encontraram sete tipos diferentes de ftalatos em 76% das mulheres. A alta concentração deste químico num dos locais mais “sensíveis” do corpo humano “deve ser uma preocupação para todos”, diz Zohar Brent-Yitzhaki, um dos médicos envolvidos no estudo, uma vez que os ftalatos afetam no processo de maturação do óvulo e têm efeitos negativos na fertilidade feminina.
Embora a União Europeia tenha regulado o assunto, e proibido a circulação e comercialização de brinquedos e artigos de puericultura com “uma concentração igual ou superior a 0,1 % em peso de material plastificado” de certos tipos de ftalatos mais tóxicos, os ftalatos encontram-se bastante presentes em diversos objetos do dia a dia.
Os ftalatos são tão prevalentes que são por vezes chamados “everywhere chemicals” – “químicos que estão em todo o lado”, em português. Estão presentes no policloreto de vinila (PVC, material usado em construção, em aparelhos médicos e na película aderente que usamos para embalar alimentos), mangueiras de jardim, pavimentos em vinil, brinquedos para criança feitos em plástico, recipientes para alimentos, detergentes, champôs, perfumes, e também na roupa sintética.
Mas é possível tomarmos algumas medidas para reduzirmos a nossa exposição ao químico, diz Trasande. “Em primeiro lugar, evitar os plásticos ao máximo. Nunca colocar recipientes de plástico no microondas ou na máquina de lavar, onde o calor pode quebrar os revestimentos, que assim são absorvidos mais facilmente”, explica. “Além disso, cozinhar em casa e reduzir o uso de alimentos processados pode reduzir o nível de químicos com que entramos em contacto.”
Outras dicas para evitar os ftalatos incluem, por exemplo, preferir o uso de detergentes e produtos de higiene e limpeza sem perfumes; utilizar recipientes de vidro ou cerâmica, em vez de plástico, para armazenar alimentos; e consumir fruta e vegetais frescos, ou congelados, ao invés dos processados ou enlatados.