Durante os estudos prévios à ampliação da Escola Básica com Jardim de Infância do Parque das Nações, em Lisboa, foram detetadas grandes quantidades de resíduos perigosos. A Parque Escolar, dona da obra, pediu um alvará para que esses solos fossem retirados, transportados e tratados, tal como manda a lei. Sem isso, o licenciamento não seria aprovado.
De acordo com o projeto, e dadas as escavações previstas para fazer as fundações dos edifícios, teriam então de ser removidas 1 278 toneladas de resíduos perigosos – “agentes químicos de elevada perigosidade que se poderão volatilizar”, segundo a descrição do alvará. Ou seja, substâncias que podem passar do estado sólido ou líquido ao gasoso, com o risco de chegarem à superfície e ser inaladas.
No alvará, atribuído pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT), lê-se que “este licenciamento tem como objetivo a remoção e confinamento de resíduos/solos contaminados existentes num lote de terreno afeto à expansão da Escola Básica com Jardim de Infância do Parque das Nações, em Lisboa, e que se traduzem num passivo ambiental”. O alvará expirou a 30 de novembro, mas não saiu da obra (que se encontra praticamente terminada) um único camião com esses solos perigosos, apesar de o alvará avisar que “da inobservância de qualquer das condições impostas resulta a revogação imediata desta licença”. Retirar e tratar aqueles resíduos custaria entre €128 mil e €153 mil.
Solos contaminados “depositados no extremo do terreno da escola”
A VISÃO perguntou à Parque Escolar e à CCDR-LVT por que razão os resíduos perigosos, que contêm substâncias cancerígenas, não foram retirados, como estava previsto, e se há risco para as 340 crianças, dos 4 aos 10 anos, que frequentam a escola. A Parque Escolar respondeu que “foram garantidos os pressupostos utilizados na avaliação de risco, nomeadamente a integridade dos pavimentos e impermeabilizações da área pavimentada, assegurando que não há contacto direto entre os recetores e o solo afetado”. A impermeabilização, contudo, já constava do alvará, mesmo removidos os resíduos, o que acabou por não acontecer.
Estamos a falar de agentes cancerígenos. Aqueles solos têm de ser removidos. É o princípio da precaução
Rui berkemeier, zero
Além disso, continua a entidade pública responsável pela modernização da rede de escolas, “foi solicitado um parecer à Agência Portuguesa do Ambiente e à CCDR-LVT, tendo-se estas pronunciado nos seguintes termos: ‘…com os resultados analíticos apresentados, os solos relativos às amostras AP-01 e AP-02 (solos escavados para construção das estacas) não são considerados contaminados’.” E conclui: “As medidas adotadas pressupõem ainda a monitorização das águas subterrâneas e da qualidade do ar interior periodicamente.” A monitorização estava prevista no alvará, mesmo assumindo a retirada das substâncias perigosas.
Ao contrário do que diz a Parque Escolar, quando refere que os solos “não são considerados contaminados”, a CCDR-LVT diz que foram removidas das escavações 350 toneladas de “solos contaminados”, embora “classificados como resíduos não perigosos”. A presidente do organismo, Teresa Almeida, garante porém que não há “risco para a saúde humana, nomeadamente para as crianças que frequentam a escola”, já que esses resíduos estão “depositados no extremos do terreno da escola, oposto ao edifício escolar”.
A VISÃO voltou a contactar a Parque Escolar para saber se houve alterações ao projeto que justificassem a menor área escavada e o “desaparecimento” de quase 1 300 toneladas de solos perigosos, uma vez que o alvará previa a sua remoção, nomeadamente para construir as estacas. A entidade respondeu que não houve alterações no projeto, apenas “alterações dos procedimentos de execução dos trabalho”.
Um especialista ouvido pela VISÃO assegura que alterações que implicassem uma menor área escavada para as fundações (e, portanto, menos terra removida) teriam obrigatoriamente de passar por alterações ao projeto, para construir menos caves ou menos pisos, sendo as estacas mais pequenas.
“É uma situação de risco”
“Não faz sentido”, diz Rui Berkemeier, especialista em resíduos da associação ambientalista Zero. “Se afirmam que os solos não são contaminados, porque é que dizem que não há contacto direto entre os recetores e o solo afetado? E porque é que vão monitorizar a qualidade da água e dos solos? E as fundações mudaram de sítio? A obra foi alterada? O alvará obriga a retirar as terras perigosas e contaminadas… Tudo isto é inverosímil.”
O ambientalista também não está tão seguro como a Parque Escolar e a CCDR-LVT da segurança da escola. “É uma situação de risco, manter-se a situação sabendo-se que há ali solos contaminados. Pode haver uma migração de compostos orgânicos voláteis. Estamos a falar de agentes cancerígenos. Aqueles solos têm de ser removidos. É o princípio da precaução.”
Berkemeier atribui esta situação aos “facilitismos do costume no Parque das Nações”, uma zona de Lisboa altamente contaminada, devido à indústria pesada que ali houve ao longo do século XX. “Continuamos a cometer os mesmos erros. deixamos lá os resíduos perigosos e quem vier a seguir que feche a porta. Não é razoável deixar os solos perigosos debaixo de uma escola.”
Este caso tem outro pormenor que causa estranheza a quem trabalha no meio: a Parque Escolar pediu à CCDR-LVT para ser ela, e não uma empresa especializada, a preparar o pedido de licenciamento, que depois foi verificado e aprovado pela própria entidade. A situação é equivalente a uma pessoa que pretende construir uma moradia pagar ao engenheiro da câmara municipal que seja ele a preparar o licenciamento – o mesmo engenheiro que depois decide a aprovação desse licenciamento.