Duas vezes por ano, o grupo de Ed Dever, da Universidade do estado de Oregon, EUA, sai para o mar, naquela zona costeira, para arranjar e limpar mais de 100 delicados sensores. São só uma pequena parcela de uma rede científica chamada Iniciativa dos Observatórios Oceânicos e que recebe qualquer coisa como 40 milhões de euros por ano. “Se fosse um ano normal, eu estaria no mar agora”, diz o investigador à Nature.
Mas, em vez disso, Dever é um dos muitos cientistas afastados do seu trabalho por causa da pandemia, obrigado a observar de longe os preciosos dados. Mas se os instrumentos se degradarem, o risco de o trabalho se perder é imenso. Ou seja, a pausa científica agora imposta pode não só comprometer as previsões meteorológicas a curto prazo como ameaçar os estudos climáticos de longa data. Há casos em que os investigadores esperam mesmo grandes lacunas em dados que são recolhidos há décadas. “A quebra nesses registos é sem precedentes”, nota também Frank Davis, ecologista da Universidade da Califórnia em Santa Barbara.
Davis é o diretor executivo do programa Long Term Ecological Research (LTER), que é uma rede de 30 locais de recolha de dados, que se estendem desde o extremo norte do Alasca até à Antártida. Misturando zonas rurais e urbanas, a rede LTER permite que se estudem processos ecológicos ao longo de décadas – desde o impacto das quedas de neve nas montanhas do Colorado até os efeitos da poluição num riacho de Baltimore. Em alguns dos pontos da rede, esta é a primeira interrupção em mais de 40 anos. “E isso é muito doloroso para os cientistas envolvidos”, nota aquele investigador.
Sem data de regresso à vista
Outros programas de monitorização estão com lacunas semelhantes. Por exemplo, os dos cientistas que costumam embarcar à boleia de navios contentores que atravessam os oceanos. É muitas vezes dessa forma que recolhem dados e vão lançando sensores e uma variedade de outros instrumentos que medem o clima, as correntes e outras propriedades dos oceanos. É verdade que a maioria dessas embarcações ainda está em operação, mas as restrições às viagens já não permitem cientistas a bordo, como explicou à Nature Justine Parks, técnica marítima responsável por um desses programas no Instituto de Oceanografia da Califórnia. “Greves portuárias e instabilidade políticas já tinham parado cruzeiros no passado. Mas esta é a primeira vez que o programa inteiro é encerrado por um longo período de tempo”.
O cenário é muito semelhante no grupo de Emma Heslop, especialista em observações oceânicas da Comissão Oceanográfica Intergovernamental em Paris – ainda a tentar avaliar a extensão dos danos. Nos últimos dois meses, o número de observações a bordo já tinha sido muito reduzido, uma perda estimada em pelo menos 15 por cento.
Mas embora a comunidade científica esteja muito empenhada em descobrir novas formas de recolher dados importantes, é muito expectável que a situação pior à medida que a pandemia se prolonga. “Quanto mais tempo as restrições estiverem em vigor, mas difícil será recuperar os dados que não compilámos agora.”
Dados perdidos para sempre?
Os voos comerciais também eram uma boa ajuda para estes programas, porque sempre iam medido temperatura, pressão e velocidade do vento durante a travessia. Mas estes dados climáticos eram fornecidos pela frota de aeronaves dos EUA, que no fim de março já tinham caído para metade dos níveis normais, segundo a NOAA, a agência nacional do oceano e da atmosfera. É certo que há satélites e balões meteorológicos que podem preencher algumas lacunas, mas certos dados recolhidos por aeronaves são insubstituíveis. “E não há forma de, depois, os recuperar”, aventa Grahame Madge, porta-voz do Met Office, o serviço de meteorologia britânico.
Os efeitos disso? Estima-se que essa perda de observações das aeronaves aumentarão os erros nas previsões em, pelo menos, 1 a 2 por cento. Mas pode ser mais. Aquele instituto tem mais de 250 estações meteorológicas no Reino Unido que fornecem dados em continuo, ou diariamente, e de forma autónoma. Por enquanto, vão funcionando. Mas, alerta Madge, “se um instrumento cair, será difícil contratar funcionários para resolver o problema.”
A questão preocupa também os responsáveis da Experiência Avançada de Gases Atmosféricos Globais – que mede os compostos que destroem a camada de ozono, em 13 locais remotos em todo o mundo. Muitos dos seus sistemas também são autónomos, e há uma a duas pessoas a fazer a manutenção regularmente para os manter a funcionar. Ray Weiss, o químico que lidera o projeto, garante que até agora só avariaram dois instrumentos. Mas basta ter menos um a funcionar para prejudicar toda a monitorização que a rede está a fazer. E também não está nada otimista. “Estamos a marcar passo. E quanto mais tempo passar pior vai ser.”