Sustentabilidade – uma palavra que veio para ficar. Chegou agora também à indústria têxtil, a segunda mais poluidora do mundo, responsável por 8% a 10% das emissões globais de carbono. Nunca, como agora, fomos tão bombardeados pelas marcas de moda com promessas de vestuário dito amigo do ambiente. E os exemplos multiplicar-se-ão à medida que o calendário se aproximar de 2030, altura em que a indústria têxtil se comprometeu a cumprir uma redução das emissões de carbono em 30 por cento. Para já, o marketing traça as headlines: esta peça de roupa é de algodão biológico, aquela marca só usa poliéster reciclado, uma outra trabalha tecidos que incorporam apenas plástico apanhado nos mares, aquela ainda anuncia um tingimento sem “químicos”…
Marcas de topo têm procurado estes tipos de materiais inovadores e ambientalmente mais sustentáveis
Mas estes anúncios são garantias de se estar a oferecer um produto sustentável? Como saber se, ao comprar uma t-shirt de algodão biológico, estamos a contribuir mais para a saúde do planeta do que ao comprar uma camisa de poliéster ou viscose, confecionada a partir de fibras recicladas? Por enquanto, não sabemos com exatidão. Primeiro, porque ainda é difícil medir o grau de sustentabilidade de uma peça, o que só se consegue por comparação com outra. Segundo, porque essas peças não chegam ao consumidor com uma etiqueta que trace a pegada de carbono desde a plantação da matéria-prima até à confeção, ao transporte, à distribuição, ao uso e ao destino possível para o fim de vida. Terceiro, porque os nossos próprios hábitos de consumo (quantas vezes vamos usar e lavar essa peça, por exemplo) e as escolhas que fazemos na hora da compra também entram na equação.
“Estas coisas são muito complexas”, adverte António Braz Costa, diretor-geral do CITEVE (Centro Tecnológico das Indústrias Têxteis e de Vestuário). “A pegada ecológica de 100 gramas de algodão para fazer uma t-shirt é enorme. São necessários milhares de litros de água, muitos pesticidas e corantes. A produção de algodão atenta contra solos aráveis, produtores de bens alimentares.” Tem, por isso, um impacto no ambiente “muito superior ao da viscose ou de outras fibras”, criadas artificialmente. Além do mais, acrescenta, a sustentabilidade “não se revela só no produto final, mas na forma como foi produzido”. Pode até haver “duas peças iguais e uma ser mais sustentável do que outra, só porque foi fabricada por uma empresa que usou energias renováveis e a outra não”.
Roupa de eucalipto
Garantindo que 70% da energia da indústria têxtil portuguesa vem já de fontes renováveis, Braz Costa não tem dúvidas de que Portugal está na dianteira da sustentabilidade ao apostar no desenvolvimento de novos materiais, até para diminuir a dependência da Europa face a materiais como o algodão, plantado sobretudo na Índia e que começa a escassear. E a isto não será alheia “a mudança geracional” verificada nos centros de decisão das empresas, que têm visto chegar quadros “com um nível de formação académica e profissional internacional”, sensíveis a estes temas.
Ricardo Silva, engenheiro químico, é filho do fundador da Tintex (dedicada a tingimento e acabamentos de tecidos) e personifica essa geração. Como diretor de operações, está de olhos postos nos têxteis do futuro. Sabe bem onde é que os químicos sintéticos entram em ação no processo produtivo de um tecido: na plantação, se se tratar de um produto natural, e na tinturaria, para a obtenção de cor.
“A sustentabilidade é uma obrigação”, afirma, consciente de que isto significa todo um outro sistema de produção. Daí que esteja já na fase de testar a industrialização de corantes com base em plantas naturais e cogumelos. “É importante que não seja tóxico à pele, à inalação e ao meio ambiente.” A diversidade de cores ainda não é muito alargada, mas há já uma patente registada: colorau. A ideia-base é inspirada no que se fazia há centenas de anos, mas a cor era retirada com solventes nocivos para o ambiente. Em parceria com o CITEVE e o CeNTI (Centro de Nanotecnologia de Materiais Técnicos, Funcionais e Inteligentes), encontraram-se novos solventes e acrescentou-se solidez às cores, assegurando-se também a sua permanência depois de várias lavagens.
“No fundo, é como fazer um chá, mas estamos ainda a experimentar outras ervas para obtenção de outras cores”, diz. Este processo não mecanizado, porém, pode vir a ser “5% mais caro” do que o habitual. Entretanto, testam-se outros processos de tingimento, como fibras novas que não precisam de sal para a fixação da cor. E trabalha-se com fibra de celulose (tendo por base o eucalipto), mais conhecida por liocel, oriunda de uma fiação austríaca e tricotada em Portugal.
Na senda de encontrar alternativas mais sustentáveis do que o algodão, o CeNTI já montou um laboratório-piloto, patrocinado pela Altri (produtora de pasta solúvel a partir de eucalipto), para desenvolver fibras com base em celulose. À imagem do que já está a acontecer na Suécia, em que a H&M se aliou à IKEA na perseguição deste objetivo, também a Altri estará interessada em produzir fibras 100% naturais para a indústria têxtil. “A mais-valia é a fibra ser também biodegradável”, diz Ricardo Silva. Também o PLA, que tem como fonte biológica o milho, pode ser um bom substituto ao poliéster (um tipo de plástico). “É a mesma fibra usada na impressora 3D, é biodegradável e compostável no fim de vida”, alega Ricardo Silva.
A pegada ecológica de 100 gramas de algodão numa t-shirt é feita de milhares de litros de água e de muitos pesticidas
O consumidor vegano também poderá em breve vestir peles sem sacrificar animais. Cascas de amêndoa ou de noz poderão revestir uma estrutura têxtil, dando-lhe o aspeto da pele animal ou do couro. Esta solução poderá ter uma aplicação no vestuário, mas também em carteiras e sapatos. E o seu grau de resistência ditará a sua utilização na indústria automóvel.
Do velho se faz…
Aproveitar os desperdícios para criar novos materiais está a ser outra fonte de inovação. A Têxteis Penedo aliou-se à produtora de cortiça Cedacor e, com o apoio do CITEVE, registou a patente de um novo fio, o cork.a.tex, que incorpora o pó da cortiça. Com ele, pode fabricar tecidos ou malhas com novas funcionalidades, com capacidade de fazer desenhos no próprio tear. “Além de isolante térmico e acústico, é antialérgico, antibacteriano, antifúngico e completamente reciclável, gastando um recurso que iria para o lixo”, afiança Sandra Ventura, diretora de Inovação da Têxteis Penedo. A seu lado, Xavier Leite, presidente do conselho de administração, conta como investiu €1 milhão numa nova fábrica, com máquinas desenvolvidas para este produto. Os prémios já surgiram na apresentação do cork.a.tex em feiras. “Ficámos espantados com tanta procura”, conta. O novo tecido tem já, na lista de clientes, marcas de topo, como a Balenciaga e a Ferragamo.
Premiada pela COTEC foi também a Riopele, quando apresentou, no ano passado, o tenowa, produzido a partir dos seus próprios desperdícios. “Precisámos de desconstruir tecidos até ao fio e voltar à matéria-prima, juntando depois algum fio virgem para dar nobreza”, explica Bernardino Carneiro, administrador da empresa. A engenheira química Ângela Teles, responsável pela sustentabilidade do produto, descreve o processo. “Pegou-se nos desperdícios de várias fibras, fez-se a desfibrilação mecânica, juntou-se 20% de poliéster reciclado e conseguimos um novo fio para um novo tecido.” O resultado é parecido com o linho, com mais textura.
O estilista Nuno Baltazar fez as suas experiências e vocacionou-o para vestidos, saias e casacos de perfil feminino. “Está a ser bem analisado pelo mercado”, diz Bernardino Carneiro. O produto está já à venda, para exportação, mas aparece nas lojas com a etiqueta das marcas dos clientes. Cabe ao consumidor verificar a etiqueta e perceber as componentes do produto.
Reduzir o desperdício na confeção é o que está na base da Springkode, uma startup que criou uma plataforma que liga as fábricas portuguesas aos consumidores para escoar stocks – o velho modelo de loja de fábrica transposta para o digital. Além das peças já confecionadas, a startup está a juntar estilistas que desenham coleções com restos de tecidos. “A ideia é recuperar até ao fim do rolo o que se dava como perdido e reintroduzi-lo no ciclo de vida”, diz Reinaldo Moreira, um dos empreendedores. E assim nasceu uma nova coleção de Katty Xiomara, feita completamente com restos de tecidos e malhas da Bless.
A Springkode reuniu já 13 fábricas, todas com produtos certificados. É mais caro? É. “Mas são o volume e a fraca qualidade que levam à lógica de usar e deitar fora”, adverte Reinaldo, que defende a slow fashion por contraposição à fast fashion e o abrandamento do consumo e da produção como outra via para a sustentabilidade. “O consumidor tem de exigir rastreabilidade das marcas e informação. Pode ficar na sua zona de conforto ou ir à luta. Não pode compactuar de forma silenciosa ou cúmplice. E ver só o ‘made in’ já não chega.”
Têxtil português na dianteira
A investigação feita no CITEVE e no CeNTI está na base de alguns dos têxteis do futuro, já patenteados pelas empresas
1 – Cork.a.Tex
Fio que incorpora pó de cortiça resulta em tecido com novas funcionalidades
3 – Tenowa
Tecido que nasce da decomposição de restos que entram novamente no processo produtivo
2- Texboost
Grande projeto pensado para o aproveitamento de vários resíduos (industriais, agrícolas ou da floresta), para obter novos têxteis