Recentemente, os meios de comunicação social vibraram com mais um encontro próximo entre um tubarão e um ser humano. O mediatismo verificado neste caso deveu-se ao acontecimento ter sido filmado e por ter envolvido duas personalidades mediáticas: um campeão de surf, Mick Fanning, em plena final de um torneio na África do Sul; e uma estrela de Hollywood de filmes de terror – “O Tubarão”.
Naturalmente que o peixe que protagonizou o acontecimento não participou em nenhum dos filmes com o título mencionado mas, infelizmente, nem precisava. A verdade é que qualquer barbatana que surja na linha do horizonte, em particular junto a uma praia, traz à memória as emoções que todos nós experimentámos quando vimos filmes de Hollywood sobre tubarões. Tenham sido eles a mítica trilogia “Jaws” ou outros quaisquer com a mesma orientação.
Quando menciono, no título, que “O Tubarão” atacou de novo, não me refiro ao peixe mas sim ao livro de Peter Benchley. Livro que depois deu origem ao filme com o mesmo nome e que foi realizado por Steven Spielberg. A realidade é que grande parte do alarido em torno da interacção, presenciada pelas câmaras de televisão e que, uma vez mais, deu origem a horas de reportagens televisivas, contactos com especialistas e relatos de pretensos ataques passados, esteve relacionado com o legado que o livro e, em particular, o filme deixaram.
Esse legado tornou numa missão quase impossível a protecção das espécies mais ameaçadas de tubarão. E são bastantes. Devido à pesca acidental e, sobretudo, à prática do finning – remoção das barbatanas de tubarões com os animais ainda vivos, que são depois descartados para o mar para morrer. Actividade dedicada a suprir o mercado chinês, onde muitas pessoas ainda consideram um sinal de estatuto comer sopa de barbatana de tubarão. Afinal, quem é que se mobilizaria para proteger uma máquina mortífera de seres humanos, que vive completamente longe da vista e cuja falta ninguém sentiria? Peter Benchley apercebeu-se disso no final da sua vida, tornando-se um dos principais defensores deste grupo de peixes. Tendo inclusive pedido desculpa pelo efeito que o seu livro teve na conservação dos tubarões.
Mick Fanning tem todo o direito de chamar ataque de tubarão ao que lhe aconteceu. Se eu tivesse um leão a atirar-se furiosamente à roda de uma bicicleta onde circulava, provavelmente não entrava em exercícios de retórica. Mas, na prática, o tubarão não demonstrou particular interesse no surfista, mas sim no cabo que o ligava à prancha. Os animais demonstram, por norma, um misto de curiosidade e medo no que respeita àquilo que de estranho aparece no seu habitat. A forma que estes animais têm de interagir com o meio que os rodeia é utilizando a boca o que, por vezes, pode ser bem assustador. A maior parte dos pretensos ataques de tubarões não passam disso, curiosidade para com algo que surgiu no seu habitat, ou confusão com uma potencial presa. Para mal dos pecados dos praticantes desta modalidade, um surfista deitado na sua prancha com as pernas e braços de fora, parece-se apetitosamente com um adulto de algumas espécies de tartarugas marinhas. Invariavelmente, quando se apercebe do seu erro, o tubarão tende a afastar-se. Infelizmente, e na maior parte das vezes, já existiu um primeiro contacto que pode ter provocado um grande susto ou mesmo ferimentos, mais ou menos graves, no alvo do equívoco.
Não obstante e tendo em conta a dimensão da utilização recreativa e profissional que fazemos do Oceano, não são assim tantos os exemplos de encontros que correram mal. Os tubarões ficam bem atrás de insectos, aranhas, elefantes, hipopótamos, vacas e até mesmo de cães, no que respeita ao número de fatalidades provocadas anualmente. Mas as outras espécies não atingiram tal estrelato em Hollywood.
Há anos que o tubarão é perseguido e prejudicado por uma fama que não pediu e que não merece. A larga maioria dos tubarões raramente ultrapassa 1,5 m e nada querem ter a ver com o ser humano. Cabe-nos a nós uma utilização responsável e cuidadosa dos espaços que partilhamos com a vida selvagem. E cabe-nos ainda e sobretudo respeitar aqueles que habitam nesses espaços, não reagindo de forma alarmista e desmesurada perante qualquer interacção menos positiva que resulte da nossa própria intrusão no seu espaço.