À semelhança do que fazem muitos turistas, o camaleão-comum (Chamaeleo chamaeleon) distribui-se no nosso país ao longo do litoral algarvio entre Vila Real de Santo António e Lagos. Mas enquanto que os turistas frequentam as praias desta região e sobretudo durante o verão, os camaleões preferem pinhais costeiros, dunas litorais com vegetação e pomares tradicionais, que ocupam todo o ano. De vez em quando, os dois grupos encontram-se, o que pode resultar no transporte destes répteis para outros locais ou apenas em fotografias de camaleões a tentarem fugir dos paparazzi.
Permanece, no entanto, a dúvida sobre a antiguidade da ocorrência do camaleão em Portugal. A primeira referência a esta espécie no nosso país foi feita pelo famoso Lineu em 1766, havendo outro autor que também mencionou a sua presença em meados do século XX. Até recentemente, pensava-se que o transporte de exemplares oriundos de África ou de Espanha para o sul de Portugal teria acontecido nos anos 1920s. Mas um estudo de genética revelou que os camaleões portugueses são originários da região marroquina de Essaouria, que foi um importante porto de comércio desde o século VII A.C. Assim, a hipótese mais provável é que tenha sido trazido de barco muito antes do século XX, como animal de estimação e/ou predador eficaz contra os insetos. E foi graças a esta insistência em lhe darmos boleia que este réptil arborícola de reduzida mobilidade se tornou mais viajado.
De qualquer forma, a sua locomoção faz-se sobretudo em cima de vegetação, com percursos ocasionais no solo para mudar de árvore ou arbusto. Também descem à terra para cavar um buraco onde passam um período de letargia geralmente de dezembro a março (que coincide com maior escassez de alimento) e, no caso das fêmeas, para enterrarem as suas posturas de ovos no Outono. Para as suas acrobacias nas alturas, o camaleão conta com adaptações como a forma do corpo achatada lateralmente para maior equilíbrio, cinco dedos em cada pata que funcionam como pinças e cauda preênsil que serve de órgão de apoio. Enquanto caça os insetos de que se alimenta, serve-se dos olhos que se movem de forma independente e permitem um campo de visão de 360º, catapultando a língua comprida e pegajosa a grande velocidade quando está à distância de tiro.
Para evitar ser detetado tanto por presas como por predadores, este réptil recorre a movimentos lentos e furtivos dignos do mais exímio praticante de Tai-Chi, bem como à sua lendária camuflagem. Mas as cores que exibe também têm outras funções tais como refletir ou absorver a luz do sol ou comunicar determinado estado emotivo. Podemos, por isso, assumir que quem inventou a expressão “fiquei de todas as cores do arco-íris” convivia muito com camaleões.
Apesar de viverem no sul de Portugal provavelmente há umas centenas de anos, não é dada a mesma importância à conservação do camaleão do que a outras espécies originalmente portuguesas. Ainda assim, há cientistas que defendem que devia ser classificado como vulnerável a nível nacional. Curiosamente, uma das principais ameaças à espécie é a perda e fragmentação do habitat, devido ao crescimento urbanístico acentuado promovido pelo turismo. Se os primeiros turistas camaleões que chegaram de barco soubessem que, muitos anos depois, os turistas humanos ocupariam a costa algarvia de forma tão intensa, certamente que teriam pensado duas vezes antes de assentarem arraiais naquela região.
Referências bibliográficas:
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