O Vale dos Gaios surge como uma espécie de oásis no Concelho de Cascais. Até há pouco tempo, era uma mata abandonada, que o gabinete Agenda XXI da Câmara recuperou com a ajuda da população vizinha. Hoje é um espaço verde bem conservado, onde se respira sossego. Junto ao pequeno lago, nasceu também uma zona de hortas biológicas, destinadas à comunidade. A adesão foi espantosa, especialmente por parte dos reformados que habitam nas redondezas. Agora, este quinhão funciona como um ponto de encontro. Depois, cada um trata do seu recanto, conforme os ensinamentos do curso de formação a que assistiram. “Alguns tinham noções de agricultura. Mas estavam a zeros no modo de produção biológica”, revela André Miguel, 34 anos, agrónomo que faz parte da equipa.
Ele conhece bem os hortelões do Vale dos Gaios, como Carlos Baptista, de 67 anos, um estreante nas lides do cultivo. Mas agora, virou engenhocas – como não pode usar pesticidas, inventou uns moinhos que, ao fazerem barulho, assustam os pássaros e encheu a horta de garrafas de água para afugentar as borboletas com o seu próprio reflexo. Até sabe que “o sol da manhã é muito mais criador do que o da tarde.”
Cada talhão deve ter bom aspeto. Se a horta ficar ao abandono, a Câmara retira-lhes a terra.
Mas ali, não há quem corra esse perigo. Estes novos agricultores até trazem o lixo orgânico de casa para encher o depósito da compostagem, a que juntam caruma e relva.
Para José do Rego, 70 anos, trata-se de voltar às origens. Já teve terras no concelho do Cadaval, mas agora é ali que passa os seus dias, sozinho, a semear. “Dá muito mais trabalho tratar da horta sem usar químicos”, desabafa. Mas segue à risca os truques que aprendeu no curso: borrifar as couves com uma mistura de urtigas e água, espalhar ervas de cheiro para afastar as visitas indesejadas, largar borras de café para manter os gatos à distância e convidar as joaninhas para a sua horta. Elas são as melhores amigas da agricultura biológica.
Estes vizinhos andam muito contentes com o que levam para casa – os legumes são saborosos e saudáveis e ainda se aguentam mais tempo sem murchar. Compreendem porque estes produtos isentos de pesticidas são mais caros. Se uma alface, por exemplo, demora apenas um mês a crescer num cultivo convencional, nestas hortas podem ter de esperar três meses para a colher. Nos biológicos valoriza-se a qualidade em vez da quantidade.
Os responsáveis pelo gabinete da Câmara não largam os hortelões, assim que lhes atribuem o seu espaço. Mais ou menos de quinze em quinze dias aparecem por lá, oferecerem-se para ajudar e verificam se tudo está como deve ser. É que existe um contrato a cumprir, renovável ou não ao final de um ano.
Manuel Pedro Andrade, 68 anos, vai querer renová-lo, de certeza: “Aqui estou ocupado, numa atividade ao ar livre. De vez em quando, também trago a minha mulher.” A alimentação lá em casa acabou por melhorar com muitas mais verduras da época na ementa. O que sobra, fica para os filhos e os amigos.
Como há fila de espera para seguir os mesmos passos destes agricultores em part time, já estão prometidas, para breve, mais seis hortas para o Vale dos Gaios.