01 ACORDO DE INTENÇÕES
Duas semanas, 193 países, milhares de participantes, dezenas de organizações não-governamentais. Em suma, uma das maiores conferências da História reduzida, na última madrugada do encontro, a um acordo de meras intenções, com duas páginas e meia. A modéstia do resultado da Cimeira de Copenhaga, no entanto, não se fica pelo tamanho físico do documento final. As 12 alíneas do texto incluem pouco mais do que uma série de tomadas de posição a favor de um desenvolvimento sustentável e o reconhecimento de que as alterações climáticas são uma grave ameaça que deve ser vigorosamente combatida. Ao contrário do que se esperava, não se discutiu sequer se o acordo deveria ser jurídica ou politicamente vinculativo, pela simples razão de que nem sequer foram definidas metas para os cortes de emissões de gases com efeito de estufa. Não sendo, como o Protocolo de Quioto, um ponto de chegada, o Acordo de Copenhaga (legalmente reconhecido pela ONU) tem sido apontado por muitos líderes como um excelente ponto de partida. “Um início essencial”, chamou-lhe o secretário-geral da ONU Ban Ki-Moon. Nos próximos meses (e anos) se verá o que isto significa.
02 NEGOCIAÇÕES POUCO DEMOCRÁTICAS
Apesar dos intensos debates (e muitos impasses), com todas as nações a discutirem num plano de aparente igualdade, o texto final acabou por ser estabelecido numa reunião entre EUA, China, Índia, Brasil e África do Sul. Percebe-se porquê: uma vez que uma boa parte dos países ricos havia anunciado metas voluntárias (e já que os países pobres não têm obrigações de cortes), os mínimos olímpicos sairiam de um consenso entre estes Estados. Sobretudo entre os EUA e a China, responsáveis por quase metade das emissões globais, que passaram as duas semanas de cimeira a trocar acusações e provocações. Mas esta metodologia irritou muitos líderes mundiais e enfraqueceu o papel das Nações Unidas, que se viram ultrapassadas por um encontro à porta fechada entre cinco dos seus membros, à margem do plenário de 193 países. Que, agora, só podem decidir se assinam ou não o documento que lhes foi posto à frente.
03 2°C DE AUMENTO DE TEMPERATURA
Um dos poucos pontos positivos e concretos (na sua essência, não na forma de lá chegar) saído da Cimeira foi a assumpção de que um aumento de 2°C de temperatura, em relação aos níveis pré-industriais, é o máximo que o planeta pode suportar. As Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, ao reconhecerem o acordo, comprometem-se a reduzir suficientemente as emissões de gases com efeito de estufa para que o aumento de temperatura não exceda esse valor. Os cientistas apontam para uma concentração de CO2 de 450 ppm (450 partículas de CO2 por milhão de partículas na atmosfera) para se atingir esse valor, pelo que se pode deduzir, em teoria, que esse será o limite para as emissões. Mas a ciência também diz que 2020 tem que ser o ano em que as emissões atinjam o seu pico e comecem a descer, para não ser ultrapassado o tal limite de 450 ppm e o texto final de Copenhaga refere apenas que é preciso alcançar esse pico “tão depressa quanto possível”…
04 METAS VIRTUAIS
As páginas que constituem o Acordo de Copenhaga não definem limites quantitativos para as emissões de CO2. O ponto 2 do texto diz apenas que “são necessários cortes profundos nas emissões globais”. No ponto 4, a janela abre-se um pouco mais, mas não chega para encher o planeta de luz: “As Partes do Anexo I [na prática, o mundo mais desenvolvido] comprometem-se a implementar individualmente ou em conjunto as metas de emissões para 2020 (…), para serem submetidas até 31 de Janeiro de 2010. (…) As Partes irão ainda fortalecer as reduções de emissão iniciadas pelo Protocolo de Quioto.” Portanto, ainda vão ser postos no papel os limites que os países ricos já anunciaram voluntariamente. Por outro lado, não haverá escrutínio internacional dos esforços de redução de gases com efeito de estufa (a China recusou-se, até ao fim, a aceitar essa exigência dos EUA). Somadas as parcelas, é muito pouco para quem esperava um acordo ambicioso e juridicamente vinculativo.
05 MERCADO DE EMISSÕES CAI
O facto de a bolsa ser um bom indicador da saúde da Economia é aplicável no combate às alterações climáticas. E, neste caso, ajuda a perceber o nível de ambição do documento final. Ora, na segunda-feira, primeiro dia de compra e venda de créditos de emissão de gases com efeito de estufa depois de se conhecer o resultado da Cimeira, o valor da tonelada de CO2 no mercado bolsista climático da Europa (o maior nesta área) desceu 8,7%, para 12,4 euros a tonelada. Ou seja, os investidores consideraram que o Acordo de Copenhaga ficou aquém das expectativas mais modestas e baixou imediatamente o interesse do mercado pelos créditos de emissão (licenças para poluir mais, até limites legalmente estabelecidos e obrigatórios, como o Protocolo de Quioto).
06 ESTADOS UNIDOS CORTAM POUCO
Barack Obama regressou aos Estados Unidos, depois da sua participação na cimeira, garantindo que o acordo era um enorme passo em frente e que tinham sido lançadas, em Copenhaga, as fundações para o futuro, no combate da humanidade contra os efeitos do aquecimento global. Mas também admitiu que o resultado era insuficiente e que o caminho seria longo e duro. No que lhe diz respeito, o segundo maior poluidor absoluto do planeta (os EUA emitem 20,2% do total, contra 21,5% da China) saiu da Dinamarca sem se comprometer com cortes concretos de emissões, fora a redução anunciada, antes da cimeira, de 17% em relação aos valores de 2005 ou cerca de 3% abaixo do ano-base de Quioto, 1990, o que é uma percentagem irrisória, comparada com o corte de 20% a 30% anunciado pela União Europeia. Sabendo-se, contudo, que não estava nas mãos de Obama prometer mais do que havia sido votado internamente, na Câmara dos Representantes (os tais 17%), que mais se esperava, afinal, do Presidente americano?
07 UNIÃO EUROPEIA PERDE A LIDERANÇA
Ainda não foi oficialmente declarado, mas este acordo parece ser suficiente para que a União Europeia alargue os seus cortes de emissões em 2020 de 20% para 30%, em relação a 1990. Pelo menos era o que tinha sido prometido, caso houvesse um “acordo global” e o resultado de Copenhaga, ainda que seja pouco mais do que uma declaração de intenções, é realmente global. Por outro lado, a posição de farol no combate às alterações climáticas, ocupado pela UE nos últimos anos, perdeu-se. O documento final foi elaborado sem a sua participação e a imposição de metas concretas à emissão de CO2, defendida e seguida pelos europeus, acabou ignorada. José Manuel Barroso, presidente da Comissão Europeia, admitiu mesmo a sua frustração quanto ao alcance demasiado vago do acordo. O único consolo é que a UE pode sempre dizer que não foi culpa sua.
08 AMBIENTALISTAS LAMENTAM FRACASSO
Da gigantesca Greenpeace à portuguesa Quercus, passando pela WWF e pelos Amigos da Terra, o Acordo de Copenhaga não representa um ponto de partida, mas sim uma falsa partida. As organizações não-governamentais do Ambiente são unânimes em considerar que foram goradas as expectativas de um documento legalmente vinculativo (como Quioto), justo e ambicioso, salientando a ausência de limites concretos de emissões. “A cidade de Copenhaga é hoje a cena de um crime climático”, declarou Kumi Naidoo, o director executivo da Greenpeace. “Os líderes mundiais tiveram uma oportunidade única, nesta geração, de mudar o mundo para melhor, de evitar a catástrofe climática. Mas falharam.” Francisco Ferreira, da Quercus, sublinhou também que os apoios prometidos aos países menos desenvolvidos para lidarem com as alterações climáticas ficam abaixo dos financiamentos dados às indústrias de combustíveis fósseis.
09 DEFINIDOS APOIOS AOS PAÍSES POBRES
Uma das poucas boas notícias que saíram de Copenhaga a alocação de 100 mil milhões de dólares (70 mil milhões de euros), por ano, a partir de 2020, num fundo de apoio aos países po- bres, para os ajudar a adaptar às alterações climáticas e mitigar os efeitos do aquecimento global, nomeadamente através do combate à desflorestação. Para o período 2010-2012, estão destinados 20 mil milhões de euros, dos quais 7,2 mil milhões sairão dos cofres da União Europeia. Estes financiamentos revelam-se fundamentais, uma vez que as populações dos países menos desenvolvidos são, de longe, as que mais sofrem com as alterações climáticas. Um aparte: muitos cientistas avisam que uma subida da temperatura global acima de 1,5°C condena alguns Estados (o Tuvalu, por exemplo, deverá desaparecer com o aumento do nível do mar provocado por essa subida). Recorde-se que o Acordo de Copenhaga aponta para um tecto de +2°C.
10 FUTURO INCERTO
A meio da cimeira, quando os impasses e o abandono de reuniões por parte de alguns delegados estavam a minar as negociações, ganhou força a hipótese de adiar um acordo para a próxima Conferência das Partes, na Cidade do México, em Dezembro do próximo ano. Entretanto, face à urgência da matéria (depois de 2012, quando termina o Protocolo de Quioto, não há nada que regule as emissões de gases com efeito de estufa) e à anunciada falta de consenso quanto à definição de metas, alguns representantes começaram a trabalhar neste acordo, mais generalista, que evitasse o embaraço de um falhanço total e que pudesse ser assinado por quase todos os países nos próximos meses o que deverá acontecer sem grandes soluços. Na melhor das hipóteses, o tal documento por que se suspirava um “Quioto Parte II”, no âmbito das Nações Unidas, que realmente imponha limites só deverá surgir no México. Se algum dia surgir.
11 CONSEQUÊNCIAS DE UM AQUECIMENTO DESCONTROLADO
As metas voluntárias para redução de emissões de gases com efeito de estufa (as únicas que existem, para já) significam um aumento de concentração de CO2 na atmosfera de 550 ppm, bem acima dos 384 ppm actuais, e uma subida de temperatura de 3°C. Por outras palavras: apesar de o Acordo de Copenhaga deixar bem claro que 2°C é o máximo admissível, os limites voluntários conhecidos que o texto final refere (e que deverão ser compilados até 31 de Janeiro) levam a alterações perigosíssimas no clima. Seria uma catástrofe para todo o planeta, mas mais para os países pobres: as secas em África serão cada vez mais frequentes e mortíferas, o número de mortos e desalojados, na Ásia e América do Sul, devido a cheias e tornados, deverá aumentar para escalas bíblicas e a subida do nível médio do mar, acelerado pelo degelo dos glaciares e lençóis de gelo da Gronelândia, deixará nações inteiras debaixo de água. Mesmo os 2°C de aquecimento, referidos no Acordo, implicam alterações climáticas profundas e devastadoras. A diferença é que, com mais 2°C, ainda é possível adaptarmonos; com mais 3°C, toda a Humanidade está em risco.