É já uma questão de sobrevivência: as empresas sustentáveis do ponto de vista ambiental são também as mais resilientes às crises económicas, como a que vivemos hoje. E em breve só os projetos com um impacto positivo no planeta terão acesso a crédito bancário e a financiamento comunitário. Estas são duas das mensagens da economista Sofia Santos.
A especialista em financiamento verde e climático deixa mais avisos – temos de mudar a fórmula como calculamos o crescimento, introduzindo “os ativos e passivos ambientais no PIB, para que este deixe de ser puramente económico”, e criar um modelo que incorpore a felicidade dos outros no nosso próprio bem-estar. Um modelo que, recorda, foi proposto pelo próprio Adam Smith, o pai do liberalismo económico.
A necessidade de recuperar a economia pós-Covid será uma barreira ao crescimento sustentável?
Não será uma barreira, será um desafio, embora dependa sempre das opções políticas. De acordo com as linhas orientadoras da Comissão Europeia, tudo indica que teremos uma recuperação verde, com uma aposta na sustentabilidade, mesmo ao nível dos financiamentos comunitários. Aliás, o problema que temos agora também evidenciou os problemas ambientais e da biodiversidade – muita gente argumenta que a Covid só aconteceu devido à invasão do espaço animal pelo ser humano. Mas é difícil explicar a necessidade de um crescimento sustentável às pessoas, e aos empresários, e os políticos têm a pressão imediata da popularidade.
E as alterações climáticas são uma questão de longo prazo…
Já não são propriamente de longo prazo. Sentimos o efeito no dia a dia. No entanto, os agentes políticos estão tão pressionados para não perder popularidade, e os empresários para pagar os salários, que nem pensamos no que pode acontecer daqui a seis meses. Não conseguimos gerir bem estes impactos no curto e no médio prazo.
É possível atingir a neutralidade carbónica sem dificultar a vida das empresas?
Terá de haver alterações significativas na forma como a economia existe. Vai implicar que algumas empresas sintam um impacto negativo, o que acontece sempre que há mudanças estruturais. Isto passou-se quando veio a tecnologia, o carro… Há sempre setores que perdem e outros que surgem. Algumas empresas poderão fechar, sim. Agora, temos de saber o que vai acontecer para podermos capacitar as pessoas dessas áreas para novos setores, para não ficarem desempregadas.
O balanço será negativo ou positivo?
Portugal tem sido pioneiro nas renováveis, além de que a maior parte das nossas exportações está ligada aos nossos recursos naturais. Temos um grande potencial de exploração da energia solar, da eólica offshore e da mobilidade elétrica, e todas as nossas soluções tecnológicas podem ser exportadas. O País tem-se posicionado na linha da frente destes temas. Resumindo, nós saímos a ganhar se conseguirmos ultrapassar a questão do curto prazo. E a Covid veio dificultar-nos a vida nesse aspeto.
Pode dar exemplos de áreas que vão necessitar de ajustes?
Penso muito nas oficinas: vamos ter mais carros elétricos, que não podem ir às oficinas normais. Conheço pessoas que já estão a montar a sua oficina dinâmica para o futuro, mas a maioria ainda não. Painéis fotovoltaicos: onde estão as pessoas para consertar os equipamentos? Computadores numa economia circular: onde estão as empresas que vendem o serviço de utilização do computador, em vez de venderem o produto? Aluguer de roupa…
Estudos demonstram que as empresas com políticas sustentáveis são as que estão a sobreviver melhor à crise. Como se explica isto?
As empresas que têm boas práticas de sustentabilidade são também as que têm uma visão diferente, que passa por gerir melhor os riscos e reconhecer eventuais oportunidades. Por exemplo, assinalam os combustíveis fósseis como um risco acrescido, e portanto distanciam-se desses setores. A EDP é um clássico: ao longo dos anos, foi-se posicionando nas renováveis. São igualmente empresas mais diversificadas, e quando surge uma crise mostram-se mais resilientes, porque já tinham outros mercados identificados. Essas empresas tiveram um melhor desempenho durante a pandemia, porque não estão tão expostas aos setores mais atacados, relacionados com os transportes e os combustíveis fósseis.
De acordo com a regulação europeia, os bancos terão de fazer uma série de perguntas às empresas antes de lhes aprovar crédito. Que perguntas são essas?
Finalmente, o mundo percebeu que para se avançar com a economia verde é preciso financiá-la. Significa que o setor financeiro vai ser induzido a criar um rating ambiental para as empresas. Para isso, terá de lhes fazer perguntas sobre o que são consideradas atividades ambientalmente sustentáveis: como é que aquele projeto contribui para a mitigação climática, para a adaptação, para a economia circular, para prevenir a poluição, para a biodiversidade, para os ecossistemas marinhos?
Os financiamentos europeus do quadro comunitário 2021-2026 têm também exigências ambientais…
Sim. E quanto mais cedo as empresas conseguirem ir ao encontro daquelas questões, mais cedo vão ter acesso a financiamento comunitário, até porque todas as linhas vão ter algum critério desta natureza. Não podem é perceber isto como uma exigência, mas sim como uma necessidade.
A União Europeia tem regras ambientais apertadas. Isso deixa-a numa posição de desvantagem competitiva?
Ao nível do clima, a UE não está sozinha. A China, por exemplo, tem um mercado de licenças de emissões que até é superior ao europeu. O financiamento sustentável também não é exclusivamente europeu: os EUA têm muitos bancos verdes, que só emprestam dinheiro a atividades que diminuam as emissões.
Os recursos são finitos, mas exige-se o crescimento infinito das economias. Vamos chegar a um ponto de rutura?
Precisamos de mudar a definição de crescimento. Definimos o crescimento baseado no PIB nos anos 20 do século passado. Mas a sociedade, hoje, é completamente diferente. Enquanto as empresas medirem o seu desempenho financeiro usando a fórmula subjacente ao lucro, temos um problema, porque esse crescimento não é passível de continuar. Há um limite.
Qual é a alternativa?
Mudar as fórmulas. Temos de introduzir os ativos e passivos ambientais no PIB, para que este deixe de ser puramente económico, como o contabilizamos hoje, do fluxo de compra e de venda.
Como se aplica isso a cada um de nós, que temos a ambição natural de melhorar as nossas vidas?
A teoria económica do Adam Smith dá a solução. Ele dizia que, se cada indivíduo fizer o que é melhor para ele, todos juntos aumentam o nível de satisfação da sociedade. Ao extremo, foi o que levou a esta economia de mercado. Mas antes disso ele escreveu outra coisa que os economistas ignoraram: a Teoria dos Sentimentos Morais, em que define o agente ético e diz que todos nós sentimos prazer em ver a felicidade do outro. Portanto, o agente económico maximiza a sua utilidade, consumindo o mais possível com o dinheiro que tem; mas, se na maximização da utilidade, colocarmos também a felicidade que gostamos de ver nos outros, não vamos querer prejudicá-los. E aqui já limitamos os nossos desejos. Vamos continuar a comprar coisas que têm um impacto brutal em crianças, como as que trabalham a apanhar cacau sem saberem sequer para que serve?
É uma forma diferente de encarar a vida.
Sim. Temos de ncorporar no modelo económico a felicidade que sentimos com a felicidade dos outros. Porque é que queremos comprar sempre mais? Porque achamos que vamos ficar mais felizes assim. E a beleza disto é que a teoria de base da economia de mercado tinha esta ideia subjacente, mas foi esquecida. O Adam Smith criou um modelo em que o agente económico era ético, que não fazia nada que prejudicasse o outro.