David Wallace-Wells é um jornalista que sabe contar uma boa história. E a história de um planeta que entra em colapso é, talvez, a mais fascinante e, ao mesmo tempo, desoladora e urgente de todas. Quando se começa a ler “A Terra Inabitável” – um dos melhores livros alguma vez escritos sobre o fenómeno das alterações climáticas –, não conseguimos descolar. As primeiras 64 páginas são como um filme de terror a desenrolar-se diante dos nossos olhos, ao qual ficamos presos para decifrar o desfecho final. Neste caso, o desfecho final é verdadeiramente tenebroso: um planeta irreconhecível depois da sexta extinção em massa que muitos acreditam já estar em curso.
Wallace-Wells, que falará em direto no VISÃO FEST, no sábado à tarde (15h15), através de uma ligação digital, conduz-nos como ninguém nesta vertigem calamitosa. A sua principal mensagem é esta: não estamos a falar de acontecimentos longínquos, para daqui a centenas ou milhares de anos, algo com que os nossos netos e bisnetos se devem preocupar adiante. Falamos, sim, de grandes alterações climáticas que nós já estamos a sentir em grande escala, com efeitos em cascata que podem tornar-se, em breve, imparáveis e irreversíveis. É como se estivéssemos a viajar em alta velocidade em direção ao abismo, sem carregarmos no travão.
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A sua mensagem não é a de um ambientalista nem a de um ativista climático – ele próprio assume que nunca se viu sequer como uma pessoa ligada à Natureza. Ele é só um “tipo normal” alarmado com o significado e a extensão das mudanças climáticas e o futuro do nosso planeta.
Para percebermos o que está em causa, convém recuarmos 250 milhões de anos. Um saltinho, pequeno, lá atrás na história da Terra, com 4,5 mil milhões de anos. Por essa altura, o dióxido de carbono aqueceu o planeta em cinco graus Celsius, e este aquecimento libertou o metano, outro gás com efeito de estufa, o que terminou com toda a vida na Terra, exceto uma pequena fração. Hoje estamos a lançar CO2 para a atmosfera a uma velocidade dez vezes mais rápida do que naquela altura. “O ritmo é 100 vezes mais rápido do que em qualquer outro momento da História desde a industrialização. Neste momento, já existe na atmosfera mais um terço de dióxido de carbono do que em qualquer altura nos últimos 200 mil anos – talvez mesmo mais do que nos últimos 800 milhões de anos”, diz Wallace-Wells.
O problema é este: mais de metade do CO2 libertado e lançado para a atmosfera pela queima de combustíveis fósseis foi emitida apenas nas últimas três décadas. “Ou seja, infligimos tantos danos ao destino do planeta e à sua capacidade para sustentar vida e a civilização humanas desde que Al Gore publicou o seu primeiro livro sobre o clima como em todos os séculos – e todos os milénios – anteriores”, resume. Terra, temos um problema!
Um caminho que rapidamente nos leva para mais 4ºC na temperatura média do planeta – parece uma mudança singela, mas com enormes repercussões a todos os níveis, desde logo secas, fogos, furacões, alagamentos que farão milhões de refugiados climáticos. As estimativas nas Nações Unidas são conhecidas: 200 a 1 000 milhões de refugiados do clima em 2050. Mil milhões de pessoas em deslocação pelo planeta, com a disrupção social e política (guerras, pobreza e caos) que isso causa – basta pensar que esse número equivale à totalidade da população mundial, em 1820. É por isso que o ministro dos Negócios Estrangeiros das ilhas Marshall (em risco com a subida dos mares) disse que com este aquecimento global decorre, na verdade, um genocídio.
Em algumas espécies, isso já é muito evidente: segundo o World Wildlife Fund morreu mais de metade dos animais vertebrados do mundo só nos últimos 40 anos. E só nos últimos 25 anos, a população de insetos – importantes polinizadores, essenciais para a sobrevivência de muitas espécies vegetais – diminuiu em três quartos. No mínimo, assustador.
Em 2016, o Acordo de Paris estabeleceu 2ºC de meta global para travar o aquecimento climático até ao fim do século, mas o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas chegou à conclusão de que, se implementarmos todos os compromissos assumidos neste acordo (do qual Trump retirou os Estados Unidos da América, recorde-se), teremos sempre um aquecimento de 3,2 ºC. E com isso teremos o degelo das calotas do planeta, o que significaria a inundação de Miami, Daca, Xangai e Hong Kong, e de mais uma centena de cidades pelo mundo. O ponto de viragem para esse colapso situar-se-á perto dos 2ºC, situação que, mesmo uma cessação rápida de todas as emissões de CO2, pode ainda assim não ser possível de alcançar.
O que nos leva às nossas ações do dia a dia e àquilo a que muitos chamam “niilismo do clima”. Estes fenómenos são tão abrangentes que tentamos ignorá-los ou fingir que não os vemos até que nos comecem a ameaçar. E isso não tardará a acontecer. A mensagem de Wallace-Wells é clara: é preciso agir – e agir já – e não ficar à espera, de braços cruzados, que o céu caia sobre a nossa cabeça e que a Terra se torne aquilo que mais tememos: inabitável.
VISÃO FEST VERDE
A VISÃO junta-se à programação oficial da Lisboa Capital Verde Europeia 2020, para uma partilha de visões, ideias, debates, performances, humor e talento – dois dias para pensar o País e o futuro, a sustentabilidade e a justiça social, o ambiente e o planeta.
O VISÃO FEST VERDE 2020 vai decorrer na Estufa Fria, nos dias 24 e 25 de outubro, e pelo palco passarão mais de três dezenas de pensadores, investigadores, cientistas, ativistas e governantes. Consulte o programa abaixo.
MEDIDAS DE SEGURANÇA
O evento, no enquadramento mágico da Estufa Fria, será ao vivo e emitido em streaming no site da VISÃO e no Facebook, e cumprirá escrupulosamente todas as regras de segurança recomendadas pelas autoridades. O espaço terá a capacidade da sala em versão bastante reduzida, garantindo assim os distanciamentos de segurança previstos por lei. O uso de máscara no interior e a desinfeção das mãos serão obrigatórios.
É preciso ter VISÃO, pense VERDE!
Saiba mais sobre o VISÃO FEST VERDE aqui.
Como assistir e quais as medidas de segurança.
A bp está a compensar as emissões de carbono deste evento. Saiba mais em bp.pt
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