Cada ruga na cara de um homem conta uma história. Aos 76 anos, no rosto de José Saramago, apenas em torno dos olhos, descaídos, cansados, se marcam linhas finas com urna expressão própria. Depois, há a boca, um traço estreito que tem de rasgar o rosto quando ri, ou que faz desaparecer os lábios, transformando-se numa faca afiada a denunciar a comoção. Um dia, a mesma boca do homem então com 18 anos, serralheiro mecânico nos Hospitais Civis de Lisboa, disse: «Aquilo que tiver de ser meu, às mãos me há-de vir ter.» E por ela o destino foi traçado.
Nem Deus nem o Diabo foram chamados para este pacto. José de Sousa Saramago nasceu a 16 de Novembro de 1922, numa casa humilde da Rua da Alagoa, freguesia de Azinhaga do Ribatejo, concelho da Golegã, a 32 Km de Santarém, 102 de Lisboa. E logo ali se desuniram os fados. Para não pagarem uma multa, os seus pais, José de Sousa, jornaleiro, e Maria da Piedade, doméstica, ambos com 24 anos, decidiram registar o menino como tendo nascido a 18. Calharam mal a sorte, o dia e o oficial do Registo Civil.