Ouvir falar tão bem de São Miguel e ver fotografias não bastava para mim. Desperto bem cedo para ver como estava o dia e de olhos ainda a dormir espreito pela vigia do meu camarote; fiquei pasmado a ver o céu limpo… Salto da cama! Um arrepio de felicidade bate-me de cima abaixo por ter a sorte do meu lado, por não estar um dia nublado que me impossibilitaria de ver as Lagoas e tudo o resto. Despachei-me como se estivesse atrasado para apanhar um comboio e pedi autorização ao Cmt. para abandonar o navio. Foi-me dito que estava previsto desatracar às 21:00 horas. Tinha mais que tempo para me aventurar.
Depois de ultrapassadas as dificuldades por não ter um cartão VISA que servia de caução, lá consegui às 10 e pouco ter uma scooter 125cc nas mãos. Assim saí de penico na cabeça estrada fora! Uma maravilha de dia que estava… não podia haver melhor sensação naquela altura do que ter toda a liberdade numa ilha com paisagens deslumbrantes, boas estradas e vontade de fazer quilómetros.
Assim que me afastei do centro e tinha começado a subir, parava constantemente para admirar a paisagem e tirar fotografias. Voltava a arrancar e, de costas para o mar, ia olhando pelos espelhos da mota para não perder nada. Queria ter uma vista periférica, queria absorver a beleza que me rodeava, a humidade que pairava e o vento frio na cara… sentia o cheiro da abundante vegetação e do gado que pastava por todo o lado. As estradas, delimitadas por muros de rocha vulcânica, cruzavam campos e campos, subindo não sei até onde. Limitava-me a seguir a estrada e as indicações, parava e fotografava. Sentia-me bem, como uma criança a andar de bicicleta.
Feitos os primeiros quilómetros como se fossem os últimos minutos de vida, chego à Lagoa das Sete Cidades. Tudo fica calmo… a minha grande preocupação era a do tempo mudar e não ter visibilidade nas Lagoas. Até ali tinha chegado e pelo menos já não me ia embora frustado. Fiquei sem reacção com a vista diante dos meus olhos e questionei-me sobre a real existência de lugares assim. Justo será dizer que me senti um rapaz cheio de sorte. Deixei-me ficar por lá e não tencionava seguir caminho. Sentado num pequeno muro registei tudo à minha volta, ouvia os pássaros, o vento e as poucas pessoas que também por ali se deslumbravam.
Com alguma pena tive que deixar aquele miradouro para trás, mas mesmo mudando o cenário, nem assim deixava de me impressionar com a beleza natural. Qualquer ponto era agradável para parar, fotografar e admirar. Até que chego à pequena vila das Sete Cidades, ao nível da água da Lagoa, para comer qualquer coisa num dos poucos cafés existentes.
Mais satisfeito na relação com a minha barriga, volto à estrada. Volto então a subir, agora para o lado Norte da ilha, seguindo para Leste paralelo ao mar. Sucederam-se vistas incríveis, vilas simpáticas e curvas com contra-curvas. Alguns dos nomes mereceram a minha curta paragem; Mosteiros, Remédios, Santa Bárbara, Capelas, a Ponta das Calhetas, passando a seguir por Rabo de Peixe e Ribeira Grande. Por todas as vilas que ia cruzando, por mais que tentasse passar despercebido como um residente, não conseguia. Uma scooter de aluguer, câmera ao pescoço e mochila às costas, marcavam-me como um turista e não me tiravam os olhos de cima. Chegou a ser desconfortável, ao ponto de nalguns locais nem sequer parar. Continuava a fazer quilómetros e não conseguia baixar o ponteiro do combustível para meio depósito.
O objectivo do dia passou a ser chegar à Lagoa do Fogo. Metade do meu sorriso foi ganho por estradas que subiam de tal maneira que conseguia ver ambos os lados da ilha, norte e sul, e em condições de visibilidade que não podiam ser melhores. A outra metade conquistou-me várias vezes. Uma dessas foi no primeiro contacto visual que tive com esta Lagoa. Ainda que mais pequena que a das Sete Cidades, nesta não há qualquer rasto do homem, à primeira vista, se não a estrada que permite o acesso. Tão verde quanto é possível considerar, com uma habitual abundante vegetação e delimitada por um recorte de uma criança. Destacam-se ainda duas pernadas que dão um toque especial àquela dádiva. Que coisa linda e única nascida numa ilha algures num oceano sem fim.
A minha visita àquela ilha magnífica não acabava e mesmo já um bocado cansado da posição na mota e da carregada mochila, nem assim parava, até ficar rendido a uma praia ou piscina natural, depende do ponto de vista. Dei de caras, na Caloura, com uma água tão límpida e azul, com pouca gente e um calor a empurrar-me para um mergulho. Não resisti e aproveitei quase uma hora ali, entre uns banhos e um café na esplanada.
De volta a Ponta Delgada, depois de ter enchido o depósito como combinado, entrego a mota com mais 160 km feitos nas minhas mãos. Fiquei apaixonado pela maior ilha do arquipélago açoreano, com 62 quilómetros de comprimento e 15.8 de largura máxima, que alberga mais de metade da população açoreana: 133 816 habitantes (dados de 2008). Faz parte do Grupo Oriental juntamente com a ilha de Santa Maria, fundeada a 81 quilómetros de distância.
À hora prevista, o Sete Cidades desembarca e define um rumo para o Grupo Central, mais propriamente, à vila de São Roque, na Ilha do Pico. (continua)
Nuno Mota Gomes
(Em breve vai estar disponível o terceiro episódio da viagem, em reportagem-vídeo)