Acordados por volta das cinco da manhã, repletos de uma combinação estranha de sono e energia, fizemo-nos à estrada. Cheios de sacos de plástico, com sanduíches de uma cadeia de lojas de conveniência, tomámos um agradável pequeno almoço a ver o nascer do sol, no parque Ueno.
Como muitos outros turistas antes de mim, tinha uma ideia completamente errada de Tóquio. Imaginava uma cidade encafuada, cheia de prédios atulhados de gente, fumo, carros e confusão generalizada. Não. É uma cidade grande, mas organizada. As ruas são largas e bem iluminadas. Os transportes funcionam como em mais lado nenhum no mundo. Não se vê muito trânsito. E as pessoas são super civilizadas. Numa comparação mal feita, diria que o Japão é uma espécie de Alemanha asiática.
Ora o parque Ueno faz jus a tudo isto. É um dos muitos parques XL que Tóquio oferece. Cheios de cãezinhos a pilhas, daqueles que só apetece dar um chuto. Brutais templos e pagodes. E, malta a fazer jogging! Agora é importante salientar que os japoneses não sabem sequer andar. Quanto mais correr! Quem estiver no Japão haverá de reparar. Elas andam todas com os pés para dentro. Os joelhos então ainda mais para dentro vão. O sapatinho, que normalmente é um salto do tamanho de um andaime português, anda numa mistura de tropeções arrastados. E é assim que se passeiam pelas ruas de Tóquio. Agora imaginem esta figura a correr… Tudo o que se diga é pouco. Mas numa tentativa de deixar uma descrição mais visual, imaginem uma girafa epilética a correr durante um ataque. É mais ou menos o que se passava naquele parque às seis da madrugada. Lá nos rimos um bocado. Vimos os templos e altares, que são de se perder a cabeça, e seguimos para outras paragens.
Uma das grandes atrações turísticas de Tóquio é o mercado de peixe Tsukiji. Um complexo enorme, cheio de bancas e lojas de peixe. Toneladas de toda a espécie de peixes a perder de vista, leilões de atum e gente que nunca mais acaba. Aqui sim, a confusão é generalizada. Tudo aos encontrões e empurrões, a tentar passar primeiro. Parece que estamos outra vez enfiados no metro em hora de ponta. Mas tudo com ótimo aspeto. Veem-se lombos de atum que parecem bifes do lombo argentinos. De perder a cabeça. Peixes grandes, peixes pequenos. Postas, lombos, rabos e cabeças. Tudo o que se possa imaginar.
Claro que saímos do mercado diretos para um sushi. Outro filme. Não falavam inglês. Não tinham menus traduzidos. E a mímica não era a melhor. Acabámos a ter de esperar duas horas para pedir. O sushi era picante até dizer chega. E serviram-nos um temaki (cone de sushi) recheado com minhocas cinzentas. Tinham um ar viscoso e muito pouco apetecível. Mas como queria compensar o fast food da noite anterior, enchi-me de coragem e lá mandei uma trinca. Posso dizer com toda a segurança que foi a coisa mais nojenta que comi em toda a minha vida. E atenção que neste leque incluo cobras e crocodilos na Tailândia, escargots em França e formigas na pré-primária. Mas comi, engoli e senti-me intrépido.
Saí deste restaurante convencidíssimo que este género de bicharada era muito típico. Iguarias japonesas raríssimas e obscuras. Pois agora no conforto do lar posso dizer que não. A comida lá é fantástica. Têm de tudo um pouco, desde panadinhos de porco, tempuras, noodles, vegetais, bifes, peixe, etc. Minhocas, foi só mesmo daquela vez. E por engano! O sushi por lá é normalíssimo. Parecido com o que se come no nosso país, mas com menos mariquices. Mais à base dos nigiris (peixe por cima, arroz por baixo) e do sashimi (fatias de peixe cru). Têm é muito mais variedade. Fazem sushi com qualquer tipo de peixe, desde o atum até às enguias.
O resto deste dia foi passado a caminhar. Vimos um pouco de tudo. Desde as televisões futuristas do showroom da Sony, até aos templos milenares de Asakusa. Passando pelos pandas do jardim zoológico de Tóquio. Milhares de lojas de souvenirs cheias de espadas samurais (que eu galava com ar intenso), budas aos milhares e gatinhos de plástico amarelo. Daqueles que abanam as patas sozinhos, para desejar sorte. Tipo loja dos chineses em Portugal. O efeito era mais ou menos o mesmo.
Em jeito de contínua experimentação gastronómica decidimos arriscar a vida no que é considerado uma das grandes iguarias do japão. O fugu. Também conhecido como peixe balão, é aquele peixe com ar de parvo que incha quando aparecem os predadores. É muito bom no sushi, mas se não for cortado exactamente no sítio certo torna-se venenoso. Os restaurantes que os vendem devem ter uma licença especial e existem aí uns 60 ou 70 casos de envenenamento por ano. Dito assim parece mais um acto de loucura. Carpe diem. YOLO [sigla da expressão inglesa “you only live once”, em português “só se vive uma vez”] e por aí fora…
Não é bem assim. Todos os hospitais estão equipados para receber casos de envenenamento por fugu, os sintomas são facilmente reconhecidos e já há quase trêS anos que não morre ninguém por causa disto. Então lá vamos nós. Lanchámos um sashimi de fugu regado a molho de soja com um apontamento de adrenalina. Uma vez mais sentimo-nos intrépidos e corajosos. Fomos para o hotel e fizemos uma sesta.
De noite estávamos tão cansados que entrámos no primeiro restaurante que nos apareceu em Shinjuku (um bairro cheio de arranha-céus). Era uma espécie de japonês, que também servia pizzas. Cansados, mas felizes, em amena cavaqueira, acabámos o dia em beleza a beber um cerveja, sentados em frente a um cartaz do vinho do Porto Ramos Pinto. É impressionante, os tugas estão em todo o lado.