Acho sempre que vou chegar a este momento e sei exatamente o que escrever. Mas a verdade é que nunca sei por onde começar, onde ia e há quanto tempo tudo isto se passa. Sei onde estou. Estou em Chiapas, o estado mais mexicano, lindo, verde, bonito, pobre e delicioso que encontrarei. Ontem passei o dia num barco no meio de um canyon de água de 1000 metros de altura e 200 de profundidade, com crocodilos e uma vista imponente.
Entretanto, isto mudou tudo. Ora, supostamente, eu ainda iria lá acima aos clássicos da península de Yucátan. Iria mergulhar a Cozumel, explorar e desfrutar em Tulúm ou Cancún, e ainda teria uns dias pelas frente. Mas é muito longe para ter que voltar atrás – e demasiado tempo e dinheiro para valer de facto a pena. O México tem sido fantástico e tenho tido pouco descanso de aventuras! Assim, vou a umas belezas aqui em Chiapas, vou aos maias, sem multidões ali na selva de Palenque, e quando der por mim estou na fronteira com o Belize.
Mas calma lá, vamos pelo princípio: primeiro passei uns dias a habitar uma área metropolitana a que chamamos (nós, mexicanos, claro) Distrito Federal, la capital. Passeei-me como bem me apeteceu. Caminhei para matar saudades do sol, caminhei e conversei; tive programas da tarde fantásticos com a Frida Kahlo, nas suas ruelas, nos seus encantos e nos murais revolucionários do seu Diego; pequenos-almoços bem mexicanos e demorados (de feijões a bifes, vale tudo), tacos picantes e deliciosos a €1 cada, 5 nas esquinas, fotografei as praças e saí à noite.
E depois aconteceu uma coisa fantástica: comprei um livro. Não sei já de onde vinha, em Coyoacán, mas assim que saí do mercadito para ir apanhar o pesero para voltar a casa antes do anoitecer, passei por uma livraria. Estou habituada a simplesmente não entrar em qualquer sítio que me chame a atenção, e continuei a andar. Mas instantaneamente dei dois passos, voltei atrás e entrei. Tinha de tudo e, obviamente, tudo em espanhol. Entre as várias prateleiras em desconto, já não sabia como escolher apenas um, e resolvi pedir ajuda à senhora. Expliquei-lhe que não estou habituada a ler em castelhano, muito menos na versão mexicana, portanto que livro de autor nacional bom, mas simples, me recomendava? Pegou numa obra do recém-falecido José Emilo Pacheco, “um conjunto de estórias bem culturais e urbanas”, disse-me. Estava a bom preço, 200 páginas. Comprei. E nessa mesma noite cheguei ao hostel, e comecei a arrumar as minhas coisas. Não para partir, mas para ficar. Isto é: sacar para fora a revista de mergulho, o guia, finalmente os chinelos, arrumar os documentos e as tralhas de avião, fazer a mochila, carregar o tablet e as máquinas, o sabão azul para ir lavar a roupa e enfim tomar um grande banho.
Porém, nunca dá para estar sozinho num hostel, e no meio de um ataque energético de organização de quem chegou ao México há umas 24 horas e se lembrou que convém agarrar no mapa e começar a perceber o que é que se vai passar, aparece o Pepe.
Nunca mais saía daqui se contasse tudo, mas a conclusão final é que acabei numa cidadezinha nas alturas da ruralidade mexicana. E tanto onde estava, como no meu destino seguinte (Veracruz, finalmente já na costa Atlântica), assim como de onde tinha vindo (a capital, Cidade do México), eram o cenário do livro. E então li. E adorei ler. E comer. E ir passar tardes a dois coletivos de distância, nas aldeias e nas cascatas, a jantar boa comida com uma cerveja gelada, e ter em casa alguém à minha espera ou com quem chegar.
Depois disso parti numa jornada de autocarros noturnos e dias deslumbrantes, e fui até ao paraíso na costa Pacífica, mais especificamente o estado de Oaxaca. É selva pura, gentes primitivas, um calor insuportável e praias daquelas dos folhetos. Mas é lindo e foi ótimo para aventuras ecológicas!
Agora? Foi por onde começámos…
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