Saímos da cidade azul, depois de mais um pequeno-almoço sob as videiras que dão sombra à pequena esplanada do café, na praça Haouta.
Passo a passo abandonámos a medina com as mochilas às costas e dirigimo-nos ao carro, que tinha ficado estacionado junto ao centro da cidade. Arrancámos, não sem antes termos pago ao velhote castiço que nos tinha arranjado o lugar, no dia anterior.
Em Marrocos tem sido comum encontrar, nas povoações onde temos parado, esta espécie de arrumadores de carros, sempre equipados com colete refletor amarelo fluorescente e de olho nos que pensam escapar a pagar-lhes a comissão pelo seu serviço. Não só arranjam o lugar para o carro, como garantem a sua vigilância. Se dúvida houvesse de que se trata de arrumadores institucionalizados, a credencial que trazem sempre consigo, dissipa-as num segundo.
Fizemo-nos à estrada ao final da manhã. As montanhas acastanhadas e vales verdejantes davam agora lugar a um cenário progressivamente árido, seco, fascinante e completamente envolvente.
Como se estivéssemos em pleno Alentejo profundo, apenas rasgado pela estrada que nos guiava, terra dentro.
Com o rádio ligado e as janelas do carro todas abertas, levávamos na cara sopros abafados de um vento quente e brando que nos ia embalando, quase como anestesia.
À nossa volta, uma imensidão de espaço. Montes e montes abaulados e as suas encostas douradas reluzentes, pelo capim seco que as reveste e que brilha sob sol implacável. Pelo meio vimos muitas oliveiras, figueiras e cacos, que também dão fruto, muito comercializado na área.
A certa altura começámo-nos a aproximar de Jorf El Melha, pequena vila que nos irrompeu do meio do nada.
De lá partimos em busca da barragem mais próxima: Al Wahda. Ansiávamos por um mergulho refrescante para arrefecer a mente e o corpo da torreira solar que se fazia sentir. Sem sucesso. Afinal, o lago artificial estava vedado ao público. Ainda assim o pequeno desvio no itinerário valeu a pena.
Decidimos parar o carro junto ao rio (oued) Ouergha (em português Uarga) para tomar um banho. Água verde, correntes fortes e margens de seixos compunham aquela praia fluvial frequentada por gente da terra: famílias, grupos de jovens amigos e trabalhadores da construção civil que faziam a sua pausa na jornada de trabalho. Havia também pais e filhos a despejar energeticamente baldes de água para dentro dos carros, para os lavar.
A estrada que seguimos depois encontrava-se em muito mau estado, cheia de buracos. Tivemos de fintá-los para tentar salvar os pneus, num autêntico ziguezague todo o terreno.
Junto às bermas havia muitas bancas de caniço e lona branca com melões amarelos. Os vendedores cochilavam debaixo dos balcões improvisados com pés cruzados e chapéu de palha a tapar-lhes a face.
Por volta das cinco da tarde fizemos nova pausa, desta vez em Karia Ba Mohamed. Precisávamos de comer algo, depois de horas a fio em jejum. Parámos assim que vimos um grelhador junto à avenida principal. Cafta em pão redondo, típico da região, soube-nos pela vida.
Já próximos de Fez, passavam por nós várias “vans” apinhadas de passageiros, que deixavam as portas traseiras abertas a balançar ao sabor do vento e dos solavancos. São os autocarros possíveis em Marrocos, conhecidos por “coletivos”.
Chegámos finalmente a Fez, depois de mais de sete horas ao volante.