Depois de cruzado o estreito de Gibraltar e mais de doze horas ao volante, chegámos enfim à primeira paragem da jornada: Tânger.
Do porto onde desembarcámos, seguimos para a cidade, sobre asfalto e sob noite cerrada, à medida que o cansaço consumia a resistência que ainda nos restava, numa atmosfera que juntava humidade e calor, ao mesmo tempo.
Tal como nós, também se fizeram a estrada, centenas de emigrantes marroquinos que regressavam agora à terra Natal, com a casa às costas. Carros e carrinhas absolutamente cheios de coisas e de vida que as rodas transportam e as saudades do retorno justificam.
Entrámos em tanger, diretos ao coração da cidade já meio adormecida, com vestígios do dia que tinha terminado e alguns mendigos e jovens a deambular pelas ruas sujas e sinuosas dos arredores da medina da urbe, durante a madrugada.
O raiar do sol, ao amanhecer, revelou uma cidade em alvoroço Trânsito caótico, num emaranhado de ruas e ruelas; onde pessoas, motas, autocarros e carros circulam como calha, numa ordem difícil de decifrar. As rotundas são atravessadas como se quer, tendo em conta alguma perícia e audácia para as contornar.
Tânger é feita de casas e prédios caiados de branco, de vielas estreias e labirínticas e de mercados coloridos e movimentados. A medina é o centro nevrálgico onde tudo acontece, a parte mais antiga e vivida da cidade. O comércio é intenso, e há todo o tipo de negócios na rua, tanto para quem quer comprar como para quem vender. Há barbeiros porta sim, porta não, as montras das ourivesarias estão sempre engalanadas e as portas das mesquitas impressionam pelo detalhe dos baixos relevos e beleza dos azulejos, com motivos geométricos, que as emolduram.
É frequente ficarmos presos ao melhor e ao pior cheio do dia, na mesma rua, num curto espaço de tempo. Há muitos balcões de venda de especiarias e café que ajudam a perfumar o ar e que mascaram o odor de carne e legumes podres, que sobram das vendas que o mercado matinal não conseguiu escoar.
Há muitas crianças na rua, que nos seguem, ajudam e fazem companhia. Foi o caso do Abdul, um miúdo de dez anos, que nos guiou pelas vias do coração da cidade, a troco de nada. Apesar da idade precoce, ele dominava o francês, espanhol e arranhava o inglês com toque de conversa sem princípio nem fim.
É apenas um dos muitos exemplos que poderíamos dar dos marroquinos que temos conhecido e que circulam nas ruas de Tânger como sangue que corre nas veias. Porque afinal são eles a génese desta cidade e das daquelas por onde iremos passar.
Os homens esguios, têm cara seca e ossuda. Os olhos escavados dão expressão à face vivida pelo sol e pelo tempo. Uns trajam túnicas atá aos pés e ostentam longas barbas, outros nem tanto. Em relação às mulheres, poucos detalhes do corpo estão a vista, porque a exposição física é quase nula. O lenço na cabeça esconde os cabelos e as vestes cobrem-nas do pescoço aos pés.
A gente de Tânger foi, afinal, o melhor postal da cidade, pelo espírito hospitaleiro e acolhedor, de que desconfiàmos no princípio; mas que acabámos por reconhecer com a passagem do tempo.
Hora de voltar à estrada e rumar em direção a Chefchaouen.
Pedro Marques Silva