Hoje, já não é preciso ir para um hotel, quando se visita uma cidade. Por exemplo, João Afonso, 34 anos, já dormiu mais do que uma vez no sofá de estranhos, no estrangeiro, e outras tantas vezes cedeu o seu sofá a turistas. A troca de casas também começa a vulgarizar-se pelo mundo fora (ver caixa Férias em Roma).
E, depois, há os apartamentos, alugados durante um curto período de tempo (short rental), onde é possível ficar alojado como se de uma casa se tratasse. No site de Turismo de Lisboa, apenas aparecem oito apartamentos ou aparthotéis. E no do Porto, só cerca de 20 prédios estão licenciados pela autarquia como alojamento local, cada um com uma média de sete apartamentos turísticos para arrendar.
Mas isto são os dados oficiais: basta visitar o site Homelidays (www.homelidays.pt) para constatar que estes números não correspondem à realidade. Numa pesquisa aleatória, surgem cerca de cem resultados, espalhados pela cidade do Porto, com muito boas apreciações por parte dos hóspedes.
Também no Wimdu (www.wimdu.pt), a oferta em Lisboa (e arredores) ronda os 500 apartamentos a preços que garantem ser “em média 30% mais baixos que os de um hotel do mesmo standard”. Licenciados ou não, o INE assegura que, em janeiro último, as dormidas nos apartamentos turísticos aumentaram 17,2% em relação ao período homólogo.
FINGIR QUE SE VIVE NOUTRO SÍTIO
Kjersti ouve falar de Portugal desde cedo. Os seus pais guardam memórias da cidade desde o tempo em que ele transportava derivados de petróleo, por mar, dos Estados Unidos para a Europa, durante a guerra. Tudo isto foi antes de Kjersti nascer, mas as histórias de Lisboa marcaram a família e acompanham-na desde sempre. Por isso, quando se reformou e decidiu que passaria temporadas fora da Suécia, para fugir ao frio e à escuridão do inverno, lembrou-se de Lisboa. O seu marido, Anders, quis, antes, ir à Índia e lá foram. Deram-se mal com o calor e Lisboa voltou à agenda.
No outono, passaram umas semanas na Graça e gostaram. Regressaram em fevereiro, para cá ficarem mais umas semanas. Só falam sueco e inglês, o que lhes chega para serem totalmente autónomos, mas querem entrosar-se mais. Já aprenderam 2 600 palavras de português, mas pretendem dominar 4 mil para a próxima visita e passar por um curso intensivo que lhes permita fazerem-se entender melhor, quando vão à padaria, ao mercado ou aos museus.
Alugaram um T2 para a eventualidade de receberem visitas. O filho, por exemplo, já lá “morou” uma semana. E é assim que querem: passar temporadas no inverno, num sítio onde se sintam em casa e possam receber visitas. E, de passe no bolso, aí vêm eles a caminho. No fundo, diz Kjersti, queremos “fingir que vivemos em Lisboa”.
Já Carmen White e os filhos (Marina, 20 anos e Ryan, 17) só estiveram cinco dias na capital portuguesa. Marina está a estudar em Madrid e, numa visita da mãe e do irmão (que vivem em Nova Iorque), decidiram dar um passeio até Portugal. Optaram por um apartamento “para ficarmos todos juntos”, porque Marina “estava com saudades dos cozinhados de casa”. “Num apartamento, podemos cozinhar”, diz. E também porque, segundo explica, “num hotel tinha de pagar dois quartos o que, para o mesmo standard, saía bastante mais caro”.
Estão mesmo no centro da cidade, o que lhes tem permitido abastecerem-se no mercado e ir a pé para todo o lado. Desta opção não resultam, porém, apenas benefícios. Se tivessem uma receção, por exemplo, teriam quem os ajudasse a ir até Sintra ou marcasse a viagem até Sevilha. Mesmo assim, eles não se importam, pois é assim que querem viajar.
MELHOR DO QUE NAS FOTOGRAFIAS
A matéria-prima dava pano para mangas. Um prédio comercial, outrora ligado ao tráfego marítimo, colado ao muro dos bacalhoeiros (antiga muralha fernandina, onde os barcos atracavam) e com áreas incrivelmente generosas. Anne Wermeille Mendonça, 46 anos, arquiteta suíça radicada há mais de 20 anos no Porto, não andava propriamente à procura, quando os amigos lhe propuseram a partilha do imóvel. Mas ficou imediatamente convencida, ao ver a varanda, imensa, sobranceira ao rio.
Inicialmente, o apartamento que lhe coube estava previsto para uso pessoal. Aos poucos, o conceito alargou-se, embora a prioridade ainda seja o acolhimento de família e amigos da Suíça. “Não vejo isto numa ótica de rendimento máximo. Importa é que não dê prejuízo.” É a própria Anne quem acolhe os hóspedes e mostra todos os cantos do ApartReboleira. “Gosto muito de os ouvir dizer ‘isto ainda está melhor do que nas fotografias’.” O edifício, de origem medieval, com transformações na década de 40 do séc. XX, estava bastante danificado e Anne encarregou-se da recuperação.
“São exercícios muito simpáticos a nível arquitetónico, mas têm condicionalismos enormes, pois existem regras muito restritas e incontornáveis.” O dedo da arquiteta nota-se nos pormenores. Optou pelo open space, com um armário a fazer de parede divisória entre a sala, o quarto e a cozinha.
Aproveitou o sótão como quarto. A decoração, discreta, mistura peças antigas e outras desenhadas por Anne. “Quis deixar muito espaço livre para as crianças se sentirem à vontade.” À semelhança do ApartReboleira, Anne recuperou outros prédios, agora convertidos em apartamentos turísticos, explorados por terceiros.
“Há muitas casas maravilhosas por intervir, no Porto. Não havia praticamente turismo e esta explosão dos últimos anos levou à construção de muita coisa nova, arrojada e com qualidade.” Ainda que excessiva, é uma oferta positiva, acredita. “Vai acabar por haver uma seleção dos melhores apartamentos turísticos. Mas, entretanto, as pessoas conseguiram recuperar o investimento feito e poderão reverter para o arrendamento normal, que está a crescer. É a cidade quem ganha com estas reabilitações.”
OPORTUNIDADE IMOBILIÁRIA
Quem caminha pela estreita Rua Francisco Rocha Soares, com o casario antigo a cobrila de sombras e a tapar as vistas, não imagina a luminosidade que se esconde nas fachadas posteriores, de janelas abertas para o rio Douro.
O fator surpresa joga a favor destes bnapartments, um dos primeiros prédios recuperados nesta artéria sem referências nos guias turísticos, embora fronteiro à muralha fernandina e bem próximo do Passeio das Virtudes e do Jardim da Cordoaria, assim como do coração da atual animação noturna do Porto.
Os argumentos da localização foram decisivos para a empresa de imobiliário tradicional que os explora. Há pouco mais de um ano, decidiram avançar com o negócio de apartamentos turísticos no Porto. Este prédio, já recuperado, estava pensado para o arrendamento normal, mas a crise trocou-lhe as voltas e o aumento do turismo na cidade ditou-lhe o destino.
Hoje, existem 18 bnapartments espalhados pelo centro histórico e as perspetivas são de crescimento. Todos com decoração cuidada e soluções arquitetónicas interessantes. “Pela minha experiência, a qualidade da oferta, em Portugal, é incomparavelmente melhor”, defende Rocha da Silva, um dos sócios. A estadia mínima são duas noites, com direito a cozinha completamente equipada, chave na mão (neste caso, cartão) à chegada dos hóspedes e, a partir daí, liberdade total de movimentos. “É como se estivessem na sua casa, não têm de dar contas a ninguém.”
Nem precisam de grande acompanhamento. “São pessoas bastante independentes, sabem aquilo que querem e têm um conhecimento virtual da cidade muito apurado.” São, sobretudo, famílias com crianças ou casais jovens dispostos a dividir os T1 e estúdios com capacidade para quatro pessoas. A taxa de ocupação tem rondado os 90%, por isso são recomendadas reservas com antecedência.
À BOLEIA DOS AMIGOS
Um dia, os amigos de Susana e Sérgio Santos começaram a emigrar. Partiam, mas recusavam a ideia de vender as suas casas ou de as “entregar” para o aluguer tradicional. Queriam o melhor de dois mundos: ir para fora, mas continuar com um pé em Lisboa; ter a casa disponível sempre que dela precisassem, mas não perder a oportunidade de a rentabilizar.
Susana, 43 anos, é luso-sueca e Sérgio, 40 anos, luso-canadiano. Ambos viveram longos anos fora e viajaram muito. Tantas vezes “regressaram” como turistas, que sabem bem o que procura quem já conhece a cidade e gosta de cá passar uns tempos.
Foi assim, com os amigos a baterem-lhe à porta, que Susana começou a desenhar (e a implementar) estratégias de imagem para “vender” casas àqueles que não querem alojar-se em hotéis. Fotógrafa e designer, Susana tem um sentido estético apurado e um gosto enorme de recuperar espaços. Pedir-lhe para adaptar uma casa nunca seria arriscado. Fluente em várias línguas, acabou por também ficar a acolher os hóspedes.
Hoje, conhece melhor do que nunca os turistas que procuram apartamentos: “São pessoas cultas, que querem conhecer a cidade a fundo, que adoram estar no centro e andar a pé.” Vêm para Lisboa “com agenda definida, restaurantes escolhidos, concertos marcados”. E sabem que vão ter um serviço “personalizado”. Que, “se precisarem de ir ao médico, terão quem os aconselhe ou, eventualmente, os acompanhe”, especifica.
Há uns meses, Susana e Sérgio tiveram de se mudar para fora de Lisboa. Chegara a vez deles. Também não queriam vender a sua casa. Decidiram, pois, aplicar aquela fórmula. Estão a acabar as obras de remodelação e contam começar a disponibilizar o próprio apartamento, na Praça de São Paulo, a turistas que queiram passar curtas temporadas em Lisboa. Em breve, poderão ser eles a vir com os miúdos gozar uns dias de férias… na sua própria casa.
FÉRIAS EM ROMA: Crónica de uma jornalista que trocou de casa
“Mãe, para onde vamos de férias este ano?” No verão anterior, tínhamos passado uma semana em Londres e a fasquia estava alta. Mas esses eram tempos pré-troika. Por isso, estive quase a responder que não íamos a lado nenhum por causa da crise, mas decidi adiar a resposta e ganhar algum tempo para pensar. Ainda bem! Perguntando e pesquisando, cheguei à solução da troca de casa.
Inscrevi-me no site www.homeexchange.com, com um custo anual de cerca de 30 euros, procurei locais que me interessavam, contactei com os donos das casas e acabei por aceitar a proposta de uma família de Roma. Tinham dois filhos, tal como nós, e isso foi uma das melhores partes da troca: chegar a uma casa preparada para receber crianças da mesma idade das nossas.
Havia brinquedos e quartos “mágicos” para explorar. Estávamos a descobrir mundo, sem nunca deixarmos de nos sentir em casa. No regresso, estava tudo como tínhamos deixado. Diferente, só os desenhos de agradecimento pendurados nos quartos. ISABEL NERY