Se caminhássemos para Oriente, sempre em linha recta, acabaríamos por desembocar, no final da linha, nesta península de 220 mil quilómetros quadrados.
Talvez déssemos de caras com Seul, capital da Coreia do Sul, um país que, por causa do retalho da guerra fria, se separou do norte, no paralelo 38, e ocupa agora uma área similar à do continente português. Apesar disso, a Coreia do Sul tem cinco vezes a população portuguesa e é um dos novos dragões económicos (e desportivos, 31 medalhas em Pequim, 13 de ouro…) emergentes da Ásia. Impõe-se, no mercado global, com algumas das mais emblemáticas marcas ligadas às novas tecnologias e ao sector automóvel: LG, Samsung, Hyundai e Kya são apenas alguns exemplos de nomes que dominam o mundo. Pequeno povo encravado entre os gigantes chinês e russo e o hegemónico Japão, a Coreia mantém, contra os seus poderosos vizinhos, e contra todas as probabilidades, a eterna luta da afirmação da identidade. Há 40 anos, decidiu que essa identidade se afirmaria pela economia e pela inovação. E as suas empresas, mais do que competirem na lógica do mercado global, respeitam uma espécie de desígnio nacional.
Os cérebros coreanos continuam a ser seleccionados para estudar nos EUA, com a missão de regressar e ingressar nas empresas coreanas, integrando o know how assimilado na América. E já ultrapassam os mestres, tanto no aspecto tecnológico como no comercial. O projecto nacional, que paira acima das multinacionais coreanas, é coordenado pelo instituto estatal KISTI, que delineia as oportunidades, investiga as necessidades do consumidor mundial, analisa as tendências de mercado e transmite as informações que mais interessam a cada empresa coreana. Para isso, o centro dispõe de um avançado e complexo sistema de recolha e análise de informação. O primeiro supercomputador, ele próprio atracção turística, adquirido em 1988, por ocasião dos Jogos Olímpicos de Seul, está hoje exposto, como peça de museu, na recepção da sede do KISTI. O presidente do instituto, Byeong-Tae Yang, diz-nos: “Aqui, oferecemos, também às pequenas e médias empresas, estudos de mercado na área tecnológica e ajudamo-las a desenvolver os seus projectos.”
COMPRAS E MAIS COMPRAS
Seul, esplendorosa, gigante, esmagadora, refrescada pelas margens do rio Han, que a rasga ao meio, atordoa-nos com o seu trânsito “nova-iorquino “, mas também com o charme dos seus recantos tradicionais, dos seus restaurantes perfumados a comida coreana representa, para quem gosta de picante, a mais saborosa culinária do oriente o frémito da sua vida nocturna ou, sobretudo, com a visão paradisíaca para “maluquinhos das compras”. Embora famosa pelos seus casacos de cabedal, baratos e de grande qualidade, a Coreia definitivamente nos prende à montra com a variedade e o preço dos seus brinquedos tecnológicos, gadgets e novidades diárias. Aconselha-se uma visita ao Ubiquitous, um projecto instalado em pleno centro financeiro de Seul, onde, durante uma delirante hora, podemos viver na “casa do futuro”. Aqui, a realidade já ultrapassou a ficção sim, a ficção científica.
Doidos por high tech, os coreanos investigam, produzem, fabricam, consomem e respiram tecnologia por todos os poros. No KAIST (Instituto Avançado de Ciência e Tecnologia), Hoi-Jun Yoo, uma espécie de Professor Pardal coreano, conhecido nos mais conceituados meios académicos mundiais na área da engenharia electrónica, da robótica e dos semicondutores, mostra-nos, secundado pela sua equipa, as últimas invenções: robôs que interagem com o homem, roupa inteligente e um projecto em testes que permite transmitir música por MP3 usando pulsões eléctricas e a pele humana como sensor e dispensando headphones. Basta dizer que o “Prof. Pardal” inventou o conceito da casa do futuro do Ubiquitous. O KAIST, que tem protocolos com a INTEL, a IBM e a Texas Instruments, baseado na cidade de Daejeon, ensina 500 estudantes estrangeiros, contrata alguns dos melhores professores mundiais na área das novas tecnologias e ostenta protocolos com as melhores universidades internacionais.
Dentro de cinco anos, será a melhor escola mundial no sector da investigação tecnológica. Não é brincadeira.
Não admira, assim, que na zona de ET Land, em Seul, e no centro comercial de electrónica de Yongsan, haja uma rua com centenas de lojas de marcas tecnológicas. Nem que, no centro comercial propriamente dito, de cinco andares, possamos comprar, a preço de amigo, literalmente tudo, do material profissional de televisão ao telemóvel mais avançado, numa orgia tecnológica de fazer a cabeça andar à roda.
O TRADUTOR DE SARAMAGO
Mas Seul tem mais para oferecer. Passeia-se numa cidade tranquila, sem problemas de criminalidade mas com falta de espaços verdes. Podemos, no entanto, visitar o Parque do Palácio Gyeongbokgung, um complexo de edifícios quinhentistas destruído pelos japoneses durante a ocupação e posteriormente reconstruídos. Ali podemos observar o render da guarda, numa rigorosa reconstituição do ritual da dinastia Joseon, que governou a Coreia entre o século XVI e 1910. O templo budista, o Palácio Pi Won ou o grandioso e moderno Museu Nacional da Coreia, que reúne, numa espécie de CCB gigante, todo o percurso da península, desde o Paleolítico, são os locais onde se pode mergulhar na História, nas raízes e na cultura deste povo único na Ásia.
Para os amantes da História, é também fascinante descobrir um pouco mais a escrita coreana, inventada, de raiz, pelo rei Sejong, o primeiro da dinastia Joseon. O Hangul (coreano) é um idioma com algumas referências ao japonês, mas totalmente distinto. Fala-se desde o século XVI.
Nas deambulações a pé, é fatal como o destino perdermo-nos no bairro típico de Itaewon, em pleno centro de Seul, mas como que separado do bulício da grande metrópole. Um bazar ao ar livre onde, nas melhores tascas de comida coreana, podemos provar o delicioso prato tradicional pim-pim-pan, uma mistura feliz de gimshi (um molho tradicional que resulta numa espécie de massa de pimentão picante) com o galbi (carne de vaca) e uma belíssima pasta chamada neing miam. Mas também encontraremos o restaurante de referência Korean Temple, sobre o qual o New York Times escreveu que “aquece o corpo e acalma a alma”. Em Itaewon apetece perder uma tarde, sentados no chão de uma tranquila casa de chá, a beberricar as inúmeras essências à disposição.
De manhã, para o jogging matinal, ou ao fim da tarde, pelo puro prazer de caminhar sem destino, podemos percorrer as margens do canal Chung Gye Chun (rio da Galinha Azul), uns rápidos artificiais que, tendo recuperado algumas áreas degradadas, rasgam a cidade ao meio, e representam uma das mais emblemáticas obras do presidente da câmara local. São ali debitados mais de 60 milhões de litros de água por minuto. Digno de se ver.
Seul esmaga mas não agride. No envidraçado restaurante da moda, o Top Cloud, no topo da torre Jongno, com a arquitectura mais espectacular e improvável do Extremo Oriente, pode observar-se o bulício de um fim de tarde que transforma as luzes e os ângulos da grande urbe ao ritmo do lusco-fusco. Um bom local para trocarmos dois dedos de conversa, no idioma de Camões, com o simpático professor do departamento de Português da Universidade de Estudos Estrangeiros Hankuk, senhor Pil Hwam Song. Vale a pena: ele é o tradutor de José Saramago.
Filipe Luís viajou a convite da Korea Foundation