Já muitas vezes, ao longo de quase 20 anos como viajante profissional, fui tentado a usar uma frase que escutei numa canção do Caetano. Nunca me permiti. É uma frase bonita, delicada, que não pode ser levianamente colocada em plano de igualdade com os clichés das brochuras turísticas, nem atirada para a arena dos lugares óbvios e previsíveis, nem desperdiçada no entusiasmo dos deslumbramentos passageiros. Por exemplo, era tão fácil usar essa frase, a frase, na vertigem luxuriosa do Grand Canyon, ou nesse fantasma da História que é a catedral esquecida de Akdamar, no lago de Van, na Anatólia, ou usá-la naquele cemitério perdido no fim da Polinésia que guarda logo ali, ao lado um do outro, os túmulos de Gauguin e Brel, enquanto a brisa agita as palmeiras e o Pacífico continua a ceifar pacientemente as falésias negras de Hiva Oa.
Continuei obstinadamente ao longo dos anos a recusar recorrer à frase da canção do Caetano. À espera da altura certa. O tempo também passa pela sensibilidade do viajante: lugares que aos 20 anos nos parecem “o melhor do mundo”, aos 40 podem parecer-nos de uma banalidade confrangedora. E o contrário, claro, também se aplica. E assim, fui adiando. Quando teria finalmente a certeza de poder usar a frase sem me sentir ridículo, despropositado, conivente?
Regresso uma vez mais à Ligúria, onde tantas vezes fui feliz e tantas vezes tive quase toda a beleza do mundo ao alcance da mão, e a frase regressa uma vez mais aos meus lábios, como quem murmura uma canção – a canção de Caetano: “Alguma coisa acontece no meu coração.” É aqui.
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