O seu trabalho em hotéis como o Aquapura no Douro, o Fontana Park, em Lisboa, e o The Vine, no Funchal, mudou o rosto do design de interiores em Portugal. Numa actividade frenética, Nini Andrade Silva, 47 anos, decora resorts de luxo e casas particulares, concebe mobiliário, desenha espectáculos. Nos escassos tempos livres, refugia-se na sua casa no Funchal onde consegue pintar, na pele de “Garota do Calhau”, outra talentosa faceta, representada até na Colecção Berardo. Madeirense com paixão, cidadã do mundo, a designer chega a estar três meses fora de casa, absorvida pelo trabalho. No último mês, viajou “apenas” para Londres, Barcelona, Los Angeles e Colômbia. Na véspera de partir para os EUA, recebeu-nos no seu ateliê lisboeta, um espaço fabuloso, com a sua marca, perto da Sé. Na bagagem, além dos dois importantes prémios pela sua intervenção no hotel The Vine levou simpatia, energia e humor contagiantes.
Costuma voltar em lazer aos locais onde viajou em trabalho?
As viagens que faço são todas em trabalho, já não sei viajar doutra maneira. O único sítio para onde viajo em lazer é para o Porto Santo, que amo de paixão. E não preciso ir de avião, vou de barco. Tento fazer o mínimo de horas de voo possível porque não me faz bem à circulação. Claro que se não viajasse tanto não era a pessoa que sou hoje, disso não tenho dúvidas. Mas é cansativo a partir do momento em que me aconteceu aquele problema no avião que nunca imaginei me pudesse suceder a trombose. Agora nos voos só bebo água, não como, faço exercício, levo meias elásticas e uma injecção para o sangue ficar mais fluido. E o médico disse-me que isto pode acontecer a qualquer pessoa e que todas deviam adoptar este procedimento (meias elásticas, injecção) em viagens com mais de cinco horas.
Recolhe inspiração dos locais que visita nas suas muitas viagens?
São tantas as coisas que vamos olhando no dia-a-dia que acabam por nos influenciar. Tenho uma grande influência asiática no que diz respeito à luz, ao silêncio, à paz. Aliás, a Ásia é o sítio para onde viajo mais.
Este seu gosto pelo Oriente foi de certa forma precursor, porque agora na hotelaria vê-se imenso um estilo asiático…
O meu gosto pelo Oriente é a paz, é o que se sente no ar, como quando se chega a África e se respira o cheiro da terra. Na Ásia os espaços têm alma, pode haver mil e uma imagens mas a alma dos espaços é a coisa mais importante e a alma ninguém consegue mudar. Ainda agora em Barcelona, no World Festival of Architecture fiz uma experiência: levei uma cabeleira ruiva e o júri olhava para a minha fotografia e para mim… Acho que pensou que eu tinha enviado outra pessoa para lá, que não era eu… Fiz uma comunicação, falei de que os sítios deviam ter alma, e no final disse ‘como já expliquei pode mudar-se a imagem das coisas mas não se pode mudar a alma’ e de repente tirei a peruca e fiquei loura… As pessoas ficaram encantadas, filmaram-me e a abertura do World Festival of Architecture vai ser a minha performance da peruca.
Acha que se corre o risco de uma banalização da imagem asiática, dos budas, que se vêem em todo o lado, do Brasil à Europa?
Acho que sim, o buda está no lugar dele na Ásia, a não ser que uma pessoa seja budista e aí é diferente. Eu por acaso tenho um buda e gosto muito, é um monge. Mas acho que as decorações podem ter um ambiente, a luz, que é o que eu gosto muito na Ásia. E acho que os sítios pertencem aos sítios. Como o The Vine só podia ser na Madeira, é um hotel que é bom em qualquer parte do mundo mas não fazia sentido noutro lado. Cada vez mais os hotéis têm que pertencer ao sítio, cada vez mais concebo um tema local. Por exemplo, agora fomos convidados para fazer um hotel na Colômbia e eu tenho de ir lá para ver o que se passa à volta. Não posso fazer um projecto sem conhecer o local.
Quando começou a trabalhar já tinha essa paixão pelos hotéis?
Eu costumo dizer que não tenho um trabalho tenho um projecto de vida … [risos] e o meu projecto chegava aos hotéis. E chega muito mais longe do que isso…
Mas tem também solicitações para outras áreas?
Sim, sim. Aqui no atelier fazemos projectos para casas, para espectáculos como o Sensation em Lisboa. Cada vez mais estamos a dedicar-nos aos hotéis, mas não tenho dúvida nenhuma que se for um projecto bom, nós fazemos.
Nota uma grande diferença desde que começou?
Sim, bastante. Lembro-me que quando acabei o curso cá e fui para os Estados Unidos, na altura os designers e arquitectos de interiores já eram uma profissão importante e respeitada nos EUA e em Portugal ninguém falava nisso. À partida, era um curso para ir dar aulas. Desde então houve uma grande evolução. E hoje em dia as pessoas procuram mesmo hotéis de design, com história, com alma, lugares diferentes. E a pessoa tem de dar um passo em frente. Porque se não dá morre.
As grandes cadeias de hotéis são um pouco mais resistentes a inovar?
São, mas cada vez menos. Em Barcelona no World Architecture Festival fomos ver o novo hotel Mandarin e eu sempre fiquei nos Mandarin nas viagens à Ásia. Ora este Mandarim nada tem a ver com os outros, é um hotel o mais design possível de uma cadeia que era a mais clássica possível.
Agora recebeu estes prémios por um projecto na sua terra natal…
Foi muito bom porque de facto não é fácil fazer um hotel de design na Madeira. O nosso turismo é mais clássico e este é um hotel business, mas ao mesmo tempo é de negócios, é também de turismo dentro da cidade, portanto é um conceito diferente. Eu acho que os promotores apostaram e estão a obter os resultados.
Acha que depois do The Vine, que já é uma referência, ainda há lugar para outro design hotel na ilha?
Há sempre. Há tantos temas na Madeira que podem ser usados. Eu tenho uma série deles na cabeça. Este é mesmo um tema da Madeira: as praias dos calhaus são os pavimentos, os carros de cesto são os lavatórios, os carros de bois antigos são as banheiras das casas de banho, as torneiras são como se fossem cascatas, o jacuzzi é como uma levada, com 20 metros de comprimento, onde as pessoas se sentam e têm a paisagem à volta. Todo o .e Vine é como se fosse um Museu da Madeira, que vale a pena ver.
No seu trabalho qual é a parte que lhe dá mais prazer? A concepção dos espaços ou a escolha e compra das peças, das obras de arte?
É tudo. A concepção é fantástica. Porque é quando começam a aparecer as ideias e quando iniciamos a pesquisa. A fase da compra para mim é como se fosse Natal, é como se estivesse a abrir os presentes. Estamos a comprar para os outros mas gostamos tanto que é como se estivéssemos a comprar para nós.
O Green Design será uma moda ou veio mesmo para ficar?
Veio para ficar. Porque a nível de madeiras e de materiais em geral as pessoas cada vez mais têm de se preocupar com o Ambiente. Senão os nossos filhos e netos amanhã têm coisas muito bonitas, mas não têm um planeta para viver. Tenho essa preocupação e aliás hoje em dia os clientes já exigem design com preocupações ambientais.
A “Garota do Calhau”, a Nini pintora, tem 11 obras na Colecção de Berardo. Costuma pintar com frequência?
O meu maior problema é que não tenho tido tempo para pintar. Nas férias de Natal vou estar no Funchal e vou estar a pintar o tempo todo. Tranco-me em casa, não falo nem vejo ninguém e só pinto. Tenho um amigo meu que pinta comigo, vamos os dois para o atelier e isolamo-nos, nem atendemos telefones.
Já viajou tanto, há algum país que ainda a surpreenda?
Hoje em dia já pouco me surpreende, mas lembro-me da primeira vez que fui aos EUA, não queria acreditar que estava lá, achei que estava a entrar num filme. Depois fui à China e voltei à América e achei que a América era muito diferente. Portanto é tudo relativo. Mas também há lugares pequeninos que me surpreendem mais.
Como por exemplo?
Como o Porto Santo… [risos] E lembro-me de ir a Los Roques na Venezuela, alugámos um iate e andámos nas ilhas e eu chorava só de ver o Sol nascer. Porque de facto não havia nada, só as ilhas, conchas, mar, peixes… Estes são os sítios que me surpreendem. A Natureza surpreende-me muito.
E ainda há algum local que não conheça e gostasse de visitar?
Sim, dois. Por incrível que pareça nunca fui à Turquia e a Marrocos. Cada vez que tento ir não consigo por falta de tempo, estou sempre a adiar.
E nas viagens o que acha imprescindível: o telemóvel, o computador?
O telemóvel e o cartão de crédito são imprescindíveis para não me perder em lado nenhum. Levo também sempre o computador, falo pelo skype, mostro desenhos e resolvo trabalhos, mas uso mais o telemóvel.
A uma pessoa do Continente que nunca tenha ido à Madeira quais os locais que recomenda?
Depende muito do género da pessoa. Eu já pensei fazer um livro sobre a Madeira para vários géneros de pessoas, há pessoas que gostam mais da Natureza, outros mais de cidade, mas para uma pessoa como eu, eu dir-lhe-ia para fazer as levadas, que são espectaculares, ir ao Pico Ruivo a pé, já fiz muitas levadas, que é obrigatório fazer. Para mim, o melhor da Madeira são mesmo os passeios a pé. Não se deve perder a subida da Encumeada! E ver o Curral das Freiras, o Véu da Noiva e obrigatoriamente ir ao Porto Santo. No Funchal ir à zona velha da cidade, ao Forte de S. Tiago, almoçar no Gavião Novo que é fantástico, no .e Vine que tem dois restaurantes maravilhosos. No Garajau, perto da minha casa, há um restaurante onde se come muito bem que é o Figos. Costumo dizer que é a minha sala de jantar, porque quando estou na Madeira vou sempre ao Figos. O Museu das Cruzes e o café do Museu de Arte Sacra são igualmente bons. E recomendo ver os golfinhos, andar no mar da Madeira que é tão bonito.
Qual é a ideia que têm da Madeira no estrangeiro?
Noutro dia estava a falar com um arquitecto de Bali em Londres e estávamos a falar da beleza de Bali e da Madeira e ele disse a dada altura: “Tens mais sorte, tens a mesma sensação que eu tenho em Bali, só que estás ao lado da Europa”. De facto, é um luxo termos um paraíso ao lado da Europa, não precisamos de voar milhares de quilómetros. Cada vez que aterro na Madeira, sinto que já estou em casa e depois toda a ilha é como se fosse o meu jardim, não sei explicar… Estudei em Lisboa e sou cidadã do mundo mas sinto que a Madeira é a casa dos pais… As pessoas que gostam da Madeira apaixonam-se, há qualquer coisa naquela ilha…
O ELOGIO DE TERENCE CONRAN
Mais do que todos os prémios que já recebeu, a maior recompensa para Nini Andrade Silva foi um elogio… da boca de um dos seus ídolos. “Agora em Londres nos European Hotel Design Awards prestaram homenagem a Terence Conran o criador da Habitat, e uma referência no design de interiores. Foi uma cerimónia emocionante, que até me fez chorar. No final, fiz questão de ir falar com ele. E aí, ele perguntou-me se eu era nórdica. Quando lhe disse que era portuguesa, respondeu: Ah!, do The Vine? Tive um amigo meu que ficou lá e é um projecto fantástico. Ora, vindo de uma pessoa como o Terence Conran foi de facto muito gratificante.”
MARCA “NINIMALISTA”
Aos 47 anos, a designer portuguesa soma prémios e congrega a admiração dos seus pares. O seu estilo, a que já chamaram “ninimalist”, representa uma lufada de ar fresco na decoração de interiores. Este mês, o atelier português foi distinguido pelo projecto no hotel The Vine na categoria de Design de Interiores dos European Property Awards 2009 (que já no ano passado tinham premiado o Fontana Park Hotel em Lisboa). E ainda recebeu o troféu de Best Suite nos European Hotel Design Awards 2009, também pelo The Vine. Estes dois prémios não apanharam Nini Andrade Silva de surpresa: “Em Londres disseram-me que eu era sortuda. Sorte era se eu não tivesse concorrido e tivesse ganho. Eu concorri, e acho que o trabalho era tão bom que se não tivesse ganho é que iria ficar triste. Foi o reconhecimento do trabalho das 40 pessoas do atelier, foi uma grande alegria.” Com trabalhos em países como a Arábia Saudita, Tailândia, Malásia, Áustria, Cabo Verde e Brasil um resort em Porto Galinhas e a recuperação do Copacabana Palace, a marca de Nini vai ficando um pouco pelo mundo. A Colômbia é o país que se segue. E também um projecto “muito bom” que está ainda no segredo dos deuses. “É mesmo o que eu gostava de ter, mas não posso falar dele para já. Apenas que é fora de Portugal.”