Mia Couto
O observatório
Não se engane, senhor padre: o senhor também trabalha nos subterrâneos. Aliás, não há neste mundo trabalho que não seja de mineiro, seja ele executado por cima ou por baixo da terra
Mia Couto"O Mapeador de Ausências", de Mia Couto: Cartas da guerra, da paz e tudo o que ficou no meio
Partindo das memórias familiares, e da figura do pai, o escritor moçambicano cose, descose e repara fios da tapeçaria histórica pré e pós-independência do seu país. "O Mapeador de Ausências" já chegou às livrarias
Sílvia Souto CunhaO apeadeiro
Foi fazendo perguntas e anotando com letra de imprensa nos lugares certos do papel. – Agora, Gondaluai escreve-se com “w” – comentou o inspetor sem erguer a cabeça. – Africanizaram o teu apeadeiro. – Depois, já num outro tom: – Estás a cuidar bem daquela estação? Tens de manter aquilo direitinho. Aquilo é património do Estado
Mia CoutoUma história quase infantil
Nessa noite, se o pai estivesse acordado, teria visto o seu filho e o seu amigo país a aproximarem-se do aparelho de televisão e a entrarem, um após o outro, no ecrã de plasma. Desapareceram como se fossem luzes engolidas pelo ávido retângulo negro
Mia Couto"De alguns meses para cá ninguém pode ter dúvidas de que estávamos enganados acerca do nosso poder"
Os escritores Dulce Maria Cardoso, Mia Couto e José Eduardo Agualusa, cronistas da VISÃO, deixaram o seu testemunho na abertura do segundo dia de VISÃO FEST Verde
O vice-viajante
Foi assim, dizem, que a doença se espalhou. A pele das crianças ficou coberta de escamas, as mães coçavam o corpo dos filhos e as crostas saltavam como se estivessem a preparar peixe. Morreu muita gente, dizem mesmo que morreram todos os habitantes
Mia CoutoA culpa
Na verdade, o menino só tinha virtudes que não serviam para nada. Por exemplo: escutava mal a voz humana, mas tinha jeito para ouvir os bichos. Um dia começou a imitar o canto dos pássaros. E fazia-o com tanto aprumo, que o pai teve uma ideia: colocaria o filho a render. E assim sucedeu: o menino passou a gorjear por encomenda
Mia CoutoO caçador de elefantes invisíveis
Mudaram o tradutor e, de uma assentada, falaram de tudo: do vírus, da pandemia, dos assintomáticos, do achatamento da curva, do retardar do pico. Usaram todos estes termos em português. As mãos do tradutor, em apressado desespero, tentavam compensar a complexidade do discurso. Os olhos de Tsatso eram intermitentes faróis perdidos entre as curvas e as contracurvas do discurso
Mia CoutoA imortal quarentena
A angústia fica-lhe bem, é uma marca de distinção dos mais lúcidos, uma ruga na alma dos condenados a sentir a existência como uma doença
Mia CoutoUm gentil ladrão
A minha falecida mulher dizia que a culpa era nossa porque escolhemos viver longe dos lugares onde há hospitais. Ela, coitada, não sabia que era o inverso: os hospitais é que se instalam longe dos pobres. É uma mania deles, dos hospitais
Mia CoutoO filho perpétuo
A guerra carregou as pessoas, os seus próprios filhos desapareceram como se fossem ondas, nuvens, plumas sem peso. A guerra é um mar que se afoga sozinho. Foi pelo regresso do mar que Baraza pediu a Deus pelo dia de hoje
Mia CoutoO vestido vermelho
Na minha aldeia há um ditado: uma mulher que enfrenta sozinha a estrada é uma mulher que está despida. Os homens estão autorizados a fazer com ela o que quiserem. Essa mulher pede para ser castigada. E foi sob o presságio da punição que caminhei pela estrada deserta. Da areia que pisava soltava-se um fumo de miragem. Caminhei até o sol me engolir a sombra
Mia CoutoO chão do corpo
Contra todas as recomendações médicas, Vitória engravidou. Contra todas as previsões, teve uma gravidez feliz. O marido não suportava essa felicidade. E menos ainda sabia lidar com a suspeita: que filho seria aquele que ia nascer? Que cor da pele a criança exibiria como prova irrefutável e irreversível da sua condição de esposo traído?
Mia CoutoAs pequenas doenças da eternidade
Era, então, que o seu menino a salvava. Penteava a mãe, dizia ele, para que ela nunca morresse. Nesses cuidados, a vizinha ficava curada das suas pequenas doenças. Mais do que curada: Margarida ficava eterna
Mia CoutoMadeira preciosa
O pesadelo dos salteadores do mar não é a tempestade. É a calmaria que faz murchar as velas e imobiliza a viagem. Mais do que essa fatal bonança, o que verdadeiramente atormentava o nosso pirata era o caruncho
Mia CoutoO meu primeiro pai
O seu verdadeiro vício não era o álcool. O seu vício éramos nós que ele amava e que não sabia o que fazer com esse amor. Não sabia como dizer esse amor. Tinha medo de se entregar e de não regressar
Mia CoutoA mensagem
Nessa noite, não conseguiu adormecer. A voz do intruso, rouca e arrastada, continuava ecoando na cabeça, roubando-lhe o sono. E o intruso não falava na primeira pessoa. Dizia: precisamos de falar...
Mia CoutoLivros e vinhos à lareira durante três dias, em Viseu
À quarta edição, o Festival Literário Tinto no Branco e o salão Vinhos de Inverno voltam a cruzar literatura, teatro e gastronomia, entre esta sexta e domingo, dias 7 a 9, no Solar do Vinho do Dão, em Viseu
Florbela AlvesJosé Eduardo Agualusa vence prémio literário de Dublin
O escritor angolano José Eduardo Agualusa foi distinguido hoje com o prémio literário internacional de Dublin, pela tradução inglesa do romance "Teoria Geral do Esquecimento", foi hoje anunciado.
Lusa