O texto final da comissão independente que investigou o acidente ocorrido num voo da Southwest, em abril do ano passado, nos EUA, não deixa dúvidas: falhas semelhantes nos motores do Boeing 737 MAX tinham sido detetadas 19 meses antes mas a Agência Federal de Aviação Americana (AFAA) foi “adiando” a implementação de regras mais apertadas na inspeção das pás das turbinas destes aparelhos. Segundo uma investigação do Washington Post, os funcionários da AFAA foram pressionados a ter “cuidado” com medidas que representassem custos elevados para as companhias aéreas – sobretudo as americanas, como é o caso da Boeing. Nos últimos anos, “o sistema parece estar mais focado nas necessidades da indústria do que na segurança dos passageiros”, confidenciou ao jornal norte-americano um perito da agência federal de aviação.
O acidente com o avião da Southwest terminou com uma aterragem de emergência no Aeroporto Internacional de Filadélfia e, apesar dos pesares, com um saldo positivo: uma mulher morreu mas os outros 149 passageiros escaparam ilesos. Uma pá das turbinas partiu-se, disparando pedaços de metal contra a zona frontal do avião, e um estilhaço atingiu a janela do 14A. O avião seguia a 32 mil pés e a violência da despressurização sugou a passageira, que ficou com metade do corpo dentro do aparelho, com o cinto de segurança a retê-la na zona das ancas, e a cabeça, tronco e um dos braços fora do avião, onde a temperatura rondava os 50 graus negativos.
As máscaras de oxigénio caíram e todos os passageiros foram sendo ajudados a respirar corretamente por uma assistente de bordo, enquanto as outras tentavam, com o apoio de dois passageiros, puxar Jennifer Riordan para dentro do avião e tapar a janela partida com coletes salva-vidas. Conseguiram fazê-lo 17 minutos depois, deitando a mulher no chão do corredor. Ela já estava morta mas, ainda assim, a equipa fez várias tentativas de reanimação até aterrarem de emergência, em Filadélfia.
O relatório agora divulgado comprova que em 2016 um acidente semelhante ocorrera com outro Boeing 737 MAX, tendo os fragmentos de metal rasgado um buraco de meio metro na asa esquerda, forçando a aterragem de um voo da mesma Southwest, com destino a Orlando. Não houve vítimas neste caso mas os peritos perceberam a gravidade do problema. Depois deste acidente, a AFAA lançou um aviso a todas as companhias aéreas e reguladores europeus, incentivando a partilha de dados e análises “para mitigar o risco de falhas futuras de forma expedita, enquanto são desenvolvidas outras medidas para garantir a segurança.”
Contudo, os inspetores da AFAA não emitiram uma ordem de segurança conhecida como “diretiva de aeronavegabilidade de emergência”, que exigiria imediatamente a criação de novas regras, pois isso afetaria “mais de 220 companhias aéreas, 6.750 aviões e 14.400 motores” e causaria enormes prejuízos.
Os trabalhos de análise ficaram “atolados durante meses”, de acordo com a investigação do Washington Post. As recomendações apontavam para a necessidade de fazer uma análise magnética e ultra-sónica em vez da simples inspeção visual em vigor, pois algumas falhas e rachas no metal podiam ser ocultadas pela cobertura de tinta. A Agência Europeia para a Segurança da Aviação estudou as recomendações americanas e impôs novas medidas de avaliação das pás das turbinas destes Boeing a partir de 2 de abril de 2018. Quinze dias depois, quando a janela de Jennifer Riordan se estilhaçou, a AFAA ainda não tinha finalizado a sua própria inspeção ou proposto qualquer alteração nas regras de segurança destes aparelhos.
Seis meses depois do acidente da Southwest, um Boeing 737 MAX da Lion Air comunicou falhas no motor pouco depois de ter levantado voo, e despenhou-se na Indonésia, provocando a morte de 189 passageiros.
A 10 de março deste ano, um Boeing 737-8 MAX da Ethiopian Airlines caiu minutos depois de descolar de Adis Abeba, com 157 pessoas a bordo. Ninguém sobreviveu.
Depois destas 346 mortes, a AFAA proibiu os voos com os Boeing 737 MAX no espaço aéreo americano.
A construtora aeronáutica tem procurado recuperar a confiança dos operadores, mas sem grande sucesso, como exemplifica o anúncio desta terça-feira, 3, pela United Airlines: a terceira maior companhia aérea dos EUA encomendou 50 aeronaves à europeia Airbus, no valor de 6,5 mil milhões de euros, para substituir os Boeing que (ainda) tem ao serviço.