Se perguntarmos a 100 mulheres casadas e com filhos se gostariam que os maridos ajudassem mais em casa, quantas responderão que sim? Se pensou num número qualquer entre 99 e 120, a resposta não estará longe da verdade… a não ser que nos foquemos na palavra “ajuda”, e a repudiemos pela carga discriminatória que carrega.
Não se trata apenas de uma questão semântica, e o psicólogo espanhol Alberto Soler tornou essa discussão viral ao partilhar no seu blogue um comentário banal que ouviu a duas senhoras no supermercado, que o elogiavam por estar a fazer compras com os seus filhos gémeos de 15 meses e assim “ajudar” a sua mulher.
O psicólogo estava com pressa, mordeu a língua e foi embora, mas, como tantas vezes nos acontece, ficou a pensar no que deveria ter dito. E foi isso que escreveu no seu blogue, em poucos minutos, entre fraldas e biberões.
“Eu não ajudo em casa, eu faço parte da casa”, começava por explicar. “E não, eu não ajudo a minha mulher com as crianças porque não posso ajudar alguém com uma coisa que é da minha inteira responsabilidade.”
“Quero que meus filhos cresçam sem saber se passar a ferro é uma coisa de homens ou mulheres. Que eles não saibam se ir lavar a casa de banho é tarefa do pai ou da mãe. Que não associem a cozinha ao feudo de ninguém, nem o aspirador, dobrar roupas ou arrumar os armários.. Que não haja um “chefe” da casa, e vivam da maneira mais feliz possível.”
“Por isso não, minhas senhoras, não ajudo a minha esposa com os filhos. Nem com a casa. Estou com eles no supermercado e ando com eles às compras porque são meus filhos e me acompanham onde quer que eu vá. Troco as suas fraldas, dou-lhes banho, levo-os ao parque ou preparo a comida deles não para ajudar minha esposa, mas porque são meus filhos, é a minha responsabilidade e quero que cresçam com um modelo familiar e uma distribuição de tarefas diferente daquela que as senhoras e eu tivemos.”
Em menos de 24 horas, a publicação de Alberto Soler foi partilhada mais de 10 mil vezes e o seu telefone não parava de tocar, com solicitações de jornalistas.
Um texto aparentemente inspirado neste começou pouco tempo depois a circular pelas redes sociais, sem autor conhecido. Primeiro traduzido para português, em 2017, e publicado no Brasil; depois traduzido para inglês, e partilhado nos EUA e na Austrália, em 2018; e finalmente de novo em espanhol, em 2019. Só no Facebook, as três publicações originais já foram partilhadas mais de 3 milhões de vezes.
“Um amigo veio a minha casa tomar café, e sentámos falando sobre a vida. A um certo ponto da conversa, eu disse: “Vou lavar os pratos e volto num instante”.
Ele olhou para mim como se eu lhe tivesse dito que ia construir uma nave espacial. Depois disse-me, com admiração mas um pouco perplexo: “Ainda bem que você ajuda a sua mulher; eu não ajudo porque quando eu faço alguma coisa a minha mulher não agradece. Ainda na semana passada lavei o chão e nem um obrigada.”
Voltei a sentar-me e expliquei-lhe que eu não “ajudo” a minha mulher. Na verdade, a minha mulher não necessita de ajuda, ela precisa é de um companheiro. Eu sou um sócio em casa e por via dessa sociedade as tarefas são divididas, mas não se trata certamente de uma “ajuda” com as tarefas de casa.
Eu não ajudo a minha mulher a limpar a casa porque eu também vivo aqui e é necessário que eu também a limpe.
Eu não ajudo a minha mulher a cozinhar porque eu também quero comer e é necessário que eu também cozinhe.
Eu não ajudo a minha mulher a lavar os pratos depois da refeição porque eu também uso esses pratos.
Eu não ajudo a minha mulher com os filhos porque eles também são meus filhos e é minha função ser pai deles.
Eu não ajudo a minha mulher a lavar, estender ou dobrar as roupas, porque a roupa também é minha e dos meus filhos.
Eu não sou uma ajuda em casa, eu sou parte da casa. E no que diz respeito a elogiar, perguntei ao meu amigo quando é que foi a última vez que, depois da sua mulher acabar de limpar a casa, tratar da roupa, mudar os lençóis da cama, dar banho em seus filhos, cozinhar, organizar, etc., ele lhe tinha dito “obrigado”? Mas um obrigado do tipo: “Uau, querida! Você é fantástica!”
Isso parece-te absurdo? Estranho? Quando você, uma vez na vida, limpou o chão, esperava no mínimo um prémio de excelência com muita glória… Por quê? Nunca pensou nisso, amigo?
Talvez porque para você, a cultura machista tenha mostrado que tudo seja tarefa dela. Talvez você se tenha sido ensinado que tudo isto deve ser feito sem que você tenha de mexer um dedo. Então elogie-a como você gostaria de ser elogiado, da mesma forma, com a mesma intensidade. Dê uma mão, comporte-se como um verdadeiro companheiro, não como um hóspede, que só vem a casa dormir, tomar banho… Sinta-se em casa. Na sua casa.
A mudança real da nossa sociedade começa em nossas casas. Vamos ensinar aos nossos filhos e filhas o verdadeiro sentido do companheirismo!”
Esta questão da divisão das tarefas domésticas e do cuidado com os filhos continua por resolver em todo o mundo, apesar dos avanços significativos registados nas últimas décadas, com o Norte da Europa a dar o exemplo.
Em Portugal, as mulheres destinam mais de metade do tempo que estão em casa (acordadas) a limpar a casa, cozinhar, passar a ferro e tratar dos filhos, segundo o mais recente estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, publicado em fevereiro deste ano.
São mais de seis horas por dia de trabalho não pago, um verdadeiro “segundo turno” para as mulheres que também trabalham fora de casa.
“Quando uma mulher tem algum filho pequeno, fica praticamente sem tempo para ela”, pode ler-se no estudo. “Do tempo que estão em casa acordadas, as mulheres que têm algum filho com 5 anos ou menos, dedicam 46% ao filho, 35% às tarefas domésticas, e 1% ao cuidado de netos ou pessoas dependentes, donde se infere que o conjunto dos trabalhos não pagos requerem 82% do tempo que estão em casa. Nesta situação, o tempo para si próprias fica em menos de uma hora por dia (54 minutos).”
Na execução das tarefas domésticas, as mulheres (tanto as que têm trabalho pago como as que não o têm) suportam mais do triplo de trabalho que o companheiro. A mulher efectua, em média, 74% das tarefas domésticas, enquanto o homem com quem vive efectua, em média, 23 por cento. Os 3% restantes são assegurados por ajuda externa remunerada. Os casais que se podem considerar “simétricos” na distribuição destas tarefas são menos de um terço.
As mulheres, como se vê, precisam muito de ajuda. Mas talvez o primeiro passo a dar por quem está ao seu lado, e vive debaixo do mesmo teto, seja num sentido que lhes permita alterar a perspetiva das coisas – colocando-se verdadeiramente “ao lado” e nunca presumindo que existem tarefas que competem mais a um elemento do casal do que a outro.
Sonhemos, pois, com o dia em que todos os homens possam dizer com orgulho “eu não ajudo a minha mulher em casa”.