Este é um ano pródigo em efemérides: cumprem-se 50 anos desse “pequeno passo para o homem, grande salto para a Humanidade” que foi a chegada do homem à Lua. O mesmo meio século desde Woodstock, o festival que juntou meio milhão de pessoas numa herdade para celebrar a paz, a música e o amor e outros 50 anos da última atuação ao vivo dos Beatles – e ainda do casamento de John Lennon com Yoko Ono; foi no mesmo ano que Yasser Arafat se tornou líder da Organização de Libertação da Palestina (25 anos depois receberia o Nobel da Paz) ou que se fez o primeiro teste de voo do Concorde, o avião supersónico anunciado para ser o futuro aviação comercial, mas que acabou por não ser. Foi ainda em 1969 que Golda Meir se tornou a primeira mulher a assumir o cargo de primeira-ministra em Israel: ativista da causa sionista, durante a segunda guerra mundial, manteve o cargo até 1974. Data do mesmo ano o primeiro implante de um coração artificial, o golo número mil de Pelé ou o massacre perpetrado pelo serial killer Charles Manson. 1969 foi ainda o ano em que o Reino Unido decretou o fim da pena de morte, ou que David Bowie lançou o espantoso Space Oddity. Perante este cenário, faz algum sentido que, nesse mesmo ano, se tenha lançado algo que se imaginava uma verdadeira utopia.
Tudo começou, recorda a New Scientist, com uma mensagem de erro. Ao fim da noite de 29 de outubro de 1969, Charley Kline, estudante de programação tentou enviar algum texto do computador da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) para outro no Stanford Research Institute, a mais de 500 quilómetros da costa da Califórnia. Queria escrever Login, mas mal digitou ‘Lo’ o sistema parou. A mensagem completa seria reenviada uma hora depois, e foi esse momento deu início ao que se transformou na maior rede de comunicações da história humana.
É justo assumir que, à época, ninguém teve noção do que acontecera. “Sabíamos que estava criada uma nova tecnologia e esperávamos que fosse útil para boa parte das pessoas, mas não tínhamos realmente ideia de como o que acontecera ia mudar as nossas vidas para sempre”, disse, mais tarde, Leonard Kleinrock, o orientador do trabalho de Kline. Compreende-se: só agora, 50 anos depois, começamos a aceitar as consequências de tudo isto.
Em questão estava a rede de agências de projetos de pesquisa avançada, ou ARPANET, como o precursor da Internet é mais conhecido. Era um projeto académico destinado a permitir que computadores partilhassem informações – e isso era algo que morava no reino da imaginação desde que se tinham proclamado as leis da robótica, nos anos 1930.
Financiados pelo Departamento de Defesa dos EUA, os computadores da UCLA e Stanford foram os dois primeiros nós dessa rede. Em dezembro de 1969, dois outros haviam sido instalados: na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, e na Universidade de Utah, em Salt Lake City. A partir daí, criou-se o que se chamou uma rede de comunicação, ainda que restrita ao uso académico, científico e militar.
Duas décadas depois, o sistema daria outro passo de gigante, com a criação da World Wide Web – não confundir com a Internet em si: trata-se de um sistema de documentos em hipermédia (associação de texto, som e imagem, de tal modo que o utilizador pode passar de um para outro independentemente da sua sequência linear, através de links), que são interligados e executados na Internet.
Estávamos no final de 1989 e, durante a década seguinte,seria criado o esqueleto do que chamamos hoje o funcionamento da internet – nem adivinhando a transformação que aí vinha. Com o uso comercial, apareceram sistemas operacionais, navegadores, softwares, sites, redes sociais, novos dispositivos de acesso. Um rol de possibilidades que parece não acabar.
Mas, será mesmo assim?
Essa a questão que levanta agora o El País. Afinal, lê-se, a Internet faz 50 anos e não está a lidar bem com isso. Ou seja, espia-nos todos os movimentos, controla-nos os gostos, os votos e os anúncios que vemos, enfim, mantém-nos dependentes, num estado de ansiedade permanente.
Além deste comportamento que mistura a Mãe Tigre (aquela que nos exige sempre mais e mais) e o Pai Helicóptero (aquele que anda sempre a pairar sobre a vida dos filhos) – coisas ainda por cima completamente ultrapassadas, já que desde há um ano que a grande tendência são os Pais corta-relva, ou seja, aqueles que garantem que não há qualquer obstáculo na vida dos seus meninos… – diz-se que é até má para o ambiente, porque os seus centros de processamento de dados emitem mais CO2 para a atmosfera do que um país desenvolvido de tamanho médio. O pior? A interferência e a manipulação em temas tão graves como eleições. Assim, depois de um tempo em que tudo parecia prosperar, é caso para dizer que a relação se tornou tóxica. É para duvidar: se o problema não somos nós, será teu, Internet?