Já sabemos que Fátima é, aparte as devoções e crenças individuais, um bom negócio. E este é um ano de colheita especial: comemora-se o centenário das ditas “aparições” da Cova da Iria e, em maio, a cidade receberá a visita do Papa Francisco. Motivos mais do que suficientes para desencadear uma extraordinária produção literária sobre os temas e episódios associados aos acontecimentos de 1917. Enquanto o conteúdo e as imagens de algumas obras se encontram parcialmente em segredo – é o caso do Dicionário de Fátima, de Nuno Henrique Luz e Nuno Roby Amorim (Guerra & Paz), e Peregrinação, de Leonor Xavier (Oficina do Livro), ambos a serem lançados em março – a VISÃO selecionou cinco dos livros que deverão marcar o universo editorial sobre o tema. Um campo onde convergem géneros, estilos e ingredientes que, reunidos, dariam certamente origem a um thriller de sucesso…Ora leia.
Fátima – Milagre ou Construção?
– A investigação que explica como tudo aconteceu
Patrícia Carvalho
Porto Editora
É talvez um dos grandes livros deste ano e é jornalismo puro. Patrícia Carvalho, repórter do Público, mergulhou a fundo nos arquivos do santuário (tanto quanto possível), na documentação crítica de Fátima e na vasta literatura sobre o tema. O resultado é um livro que, sem abdicar de um ponto de vista, se tornará indispensável para crentes e não crentes. Com minucia, talento e a dose certa de ceticismo, a autora leva-nos numa grande viagem aos acontecimentos de 1917 na Cova da Iria, desmontando personagens, episódios e contradições. Em que medida os eventos de Fátima ocorridos há quase cem anos permanecem, de facto, um mistério, e o que disso foi mera manipulação e construção a favor da narrativa de uma época, do seu contexto político e, já agora, do negócio religioso? A resposta a esta pergunta é uma obra inclusiva, onde o jornalismo de excelência cumpre o seu dever: investigar, contraditar e dar ao leitor todos os elementos para formar o seu juízo.
A Senhora de Maio
– Todas as perguntas sobre Fátima
António Marujo e Rui Paulo da Cruz
Temas e Debates/Círculo de Leitores
Jornalista Europeu de Religião do Ano duas vezes (1995 e 2006), prémio atribuído pela Conferência de Igrejas Europeias, António Marujo deixou nos arquivos do Público, onde trabalhou, alguns dos incontornáveis trabalhos na área do religioso. Se o universo jornalístico está hoje mais pobre na abordagem desta temática, o facto de não termos António Marujo a escrever regularmente sobre o tema na Imprensa é um sintoma. Felizmente, A Senhora de Maio vem colmatar um pouco essa ausência. A parceria com outro jornalista, Rui Paulo da Cruz, é antiga, e resultou num documentário realizado em 2004 com o mesmo nome que dá título ao livro. O propósito é, de resto, idêntico: dar uma visão abrangente e plural sobre esse fenómeno controverso e complexo que é Fátima. Para isso, os autores recolheram variados contributos e testemunhos que, neste ano de comemorações, ajudam a ler Fátima em toda a sua dimensão. Além de figuras da Igreja (Bento Domingues, Januário Torgal Ferreira, Carlos Cabecinhas, Luciano Guerra, Luís Kondor, Carlos Azevedo, entre outros), este livro reúne outros olhares, como os do antropólogo Alfredo Teixeira e os do escultor Robert Schad. “Fátima é fruto da imaginação de três crianças e da imposição do clero ou revela uma forte experiência espiritual?”, é uma das questões colocadas por um livro que se propõe responder a todas as perguntas a partir das alegadas aparições de 1917.
Fátima – Milagre, Ilusão ou Fraude
Len Port
Guerra & Paz/Clube do Livro SIC
Len Port é um jornalista e artista plástico da Irlanda do Norte radicado em Portugal. Trabalhou no Museu de História Natural de Londres e o seu primeiro emprego como redator foi no South Morning Post, de Hong Kong. Em Portugal, tem publicado trabalhos sobre o sul do País, nomeadamente o Algarve (onde vive), e já se tinha dedicado a Fátima há uns anos (O Fenómeno de Fátima, da mesma editora). É esse trabalho que, em parte, agora recupera. A editora apresenta-o como “um livro intenso e polémico, destinado a informar e provocar mentes abertas e curiosas”. As 256 páginas levam o carimbo de um autor cético, mas não indiferente ao fenómeno mariano.
Fátima no Mundo
Manuel Arouca e Cristina Arouca
Oficina do Livro
A obra leva, desde logo, um selo de referência: Aura Miguel, jornalista da Rádio Renascença e a mais antiga vaticanista portuguesa credenciada pela Santa Sé, assina o prefácio. O livro é uma viagem de cor, luz e multidões à devoção planetária a Nossa Senhora, oferecendo uma panorâmica fotográfica rara e, por isso, surpreendente. Estão aqui retratados os mais diversos santuários marianos espalhados pelo mundo, alguns deles em lugares tão inesperados como Macau, Londres, Namacha (Moçambique), Goa (Índia) ou o Luxemburgo. Não faltam, porém, alguns dos mais óbvios: da Alemanha ao Brasil, dos EUA à Coreia do Sul, entre outros. Nestas páginas, porém, os autores, não se limitam a seguir o andor. Aqui cabem também as histórias de personagens inspiradoras (Madre Teresa de Calcutá, João Paulo II, por exemplo), mas também os relatos daqueles que, na primeira pessoa, testemunham os sobressaltos que mudaram as suas vidas, inspirados pela devoção à figura da Virgem de Fátima.
1917: O Ano que Mudou o Mundo
Angelo D´Orsi
Bertrand
Desde já, uma advertência: o livro não é sobre Fátima.
Mas como analisar Fátima, e o que a partir dali criou raízes, sem compreender a época? É esse o exercício de Angelo D´Orsi, professor na Universidade de Turim, especialista em História do Pensamento Político, fundador e presidente de “Historia Magistra” – Associação pelo Direito à História. Ainda assim, um dos capítulos é inteiramente dedicado ao mês de maio de 1917 e o autor analisa com profundidade o impacto que os eventos ocorridos na Cova da Iria tiveram na Europa e no resto do mundo. Angelo D´Orsi, refira-se, não parte para este livro com uma perspetiva religiosa. O seu olhar é o de um historiador não crente. Nessa missão, leva-nos a uma reflexão sobre a revolução russa, a entrada nos EUA na I Guerra Mundial, o nascimento da Jugoslávia, a execução de Mata Hari, os primeiros passos para a criação do Estado de Israel, entre outros acontecimentos que mudaram – e, em certa medida, moldaram – o mundo.