A deputada do Pessoas-Animais-Natureza (PAN) Cristina Rodrigues recusa que um canil em Loulé, construído ilegalmente por um empresário britânico em solo rural e sobre uma rede de drenagem, seja demolido. Depois de o Correio da Manhã ter noticiado que Sid Richardson tinha sido avisado pela Câmara Municipal de Loulé de que o abrigo iria ser deitado abaixo, a recém-eleita parlamentar escreveu no Facebook que “parece que só há obstáculos a quem quer fazer o bem e não o contrário” e divulgou uma petição assente numa série de equívocos.
Vamos por partes. A 12 de novembro, como conta à VISÃO a vereadora do Planeamento e Administração do Território, Heloísa Madeira, a autarquia notificou o construtor de que o canil, por ter sido erigido “em solo rural de domínio predominantemente agrícola e abrangido por uma linha de drenagem de águas, em violação das restrições das áreas de domínio hídrico”, não poderia manter-se de pé. “Não se enquadra sequer em nenhuma das exceções que a lei prevê”, sustenta.
A situação, explica a autarca do PS, “já se arrasta há um ano”. “O promotor [Sid Richardson] foi sendo avisado por esta edilidade e as queixas continuaram a crescer”, completa, recordando que, além de populares, a própria GNR constatou a violação das normas respeitantes àquele tipo de terrenos.
Ainda que tenha reconhecido o atropelo à lei, o dono do canil disse ao Correio da Manhã ter gasto um milhão de euros – e é quase certo que não os vai recuperar – no abrigo, onde tem neste momento mais de 160 animais e do qual já saíram, em 11 meses, 190 cães para adoção. “Não ponho em causa que [Sid Richardson] esteja a fazer o bem, mas aquela edificação não é legalizável. Os nossos serviços técnicos concluíram que o canil não é passível de legalização”, aponta. “Sob pena”, prossegue, de o próprio executivo camarário liderado por Vítor Aleixo (PS) ser “chamado à pedra” por pactuar com violações a legislação urbanística e ambiental.
Perante a notícia de sábado, 23, Cristina Rodrigues recorreu às redes sociais para criticar as autoridades locais e nacionais. “Tantos canis municipais sem condições nenhumas e a DGAV [Direção-Geral de Alimentação e Veterinária] não faz nada e depois há uma associação a tentar ajudar animais, a fazer o que o Estado não faz, e aparentemente recebe ordem de demolição.”, escreveu no Facebook a dirigente do PAN. “Realmente parece que só há obstáculos a quem quer fazer o bem e não o contrário”, reforçou, antes de apelar aos seus seguidores para assinarem uma petição contra a demolição – carregada, no entanto, de equívocos – que, à hora em que este artigo foi concluído, contava com 9 108 subscritores.
O peticionário, que Cristina Rodrigues garante não conhecer, inspirou-se no texto do Correio da Manhã – que dizia que estavam em causa terrenos inseridos na Reserva Ecológica Nacional (REN) – e concluiu, erroneamente, que a REN (empresa de transporte de eletricidade e gás natural) é que tencionava deitar abaixo o centro de acolhimento.
Ouvida pela VISÃO sobre este assunto, Cristina Rodrigues alegou que aquilo que escreveu foi, “sobretudo, uma crítica à inação dos municípios e da DGAV” e lamenta que “proliferem pelo País associações de direito privado que prestam um serviço público, que, por lei, caberia ao Estado”. Sublinhando “ter a informação de que o canil não foi construído em terrenos de REN ou de Reserva Agrícola Nacional [RAN]”, a deputada contornou a eterna interrogação sobre o PAN ser um partido ambientalista ou animalista.
Na prática, não estará o partido a abrir um precedente ao admitir uma ilegalidade em nome da defesa do bem-estar animal? “Se os terrenos não se inserirem na REN, a questão nem se coloca. Se assim não for, e se se tratar, de facto, de uma zona protegida, é preciso ver qual é o grau do incumprimento e perceber o seu impacto ambiental”, contrapõe. “Não estou por dentro dos detalhes administrativos”, ressalva a dirigente do PAN, que ficou célebre durante a campanha eleitoral para as legislativas por desconhecer algumas das propostas mais emblemáticas com que o partido foi a votos.
Quanto à petição, Cristina Rodrigues desvaloriza as irregularidades na forma e as imprecisões no conteúdo. “A pessoa que a escreveu não será certamente versada em questões jurídicas, nem os cidadãos têm de o ser. Todos os dias entram petições na Assembleia da República de todas as formas e feitios e não é por isso que deixam de ser discutidas. A questão de fundo é o seu teor, é como se fosse um abaixo-assinado, um grito, uma chamada de atenção para um problema que é real”, enfatiza.
A vereadora Heloísa Madeira é contida, mas não deixa a dirigente do PAN sem resposta: “As palavras e os atos ficam para quem as diz e para quem os pratica.” Mas não fica por aí: “Lamento que a deputada não perceba que cabe às câmaras cumprir e fazer cumprir a lei, adotando as medidas de tutela e restauração da legalidade urbanística.”
Seja como for, o executivo local ainda não tem uma solução para albergar as quase duas centenas de cães quando a demolição for consumada, até porque o canil municipal está “sobrelotado”. “Teríamos de pensar, mas essa não é uma obrigação da Câmara. É das pessoas que levaram para lá os animais. Nós, com certeza, iremos colaborar, não deixaremos que o problema tome proporções grandes”, assegura a socialista, que revela, a rematar, que o líder da autarquia, Vítor Aleixo, já tem uma reunião agendada com Sid Richardson.